Milhares de cidadãos dos morros do Vikundu, uma das zonas mais afectada pelas enxurradas de Março em 2015, fazem contas à vida por conta do risco que dizem estar a correr naquela localidade, agora que “São Pedro voltou a abrir as torneiras”. O Governo Provincial de Benguela está a desenvolver um projecto de loteamento, no sentido de reduzir o número de famílias em zonas de risco
“Nos tirem daqui, temos medo da chuva”, imploram ao Governo alguns dos moradores, impontes e receosos face às intempéries naturais. O clamor de moradores dessa localidade foi colhido pela reportagem deste jornal naquela que é tida como uma espécie de “coração da tragédia” de Março, em 2015, após termos estado numa outra zona também afectada na semana passada.
Viver nos morros no Vikundu tornou-se como que uma espécie de “missão impossível” e moradores dizem ter sido esquecidos pela Administração Municipal da Catumbela, daí que, a dado momento, o repórter deste jornal ter sido confundido com técnicos daquele órgão da Administração local do Estado. O colete acastanhado que o repórter usava – segundo dizem – assemelhava-se ao dos quadros da Administração.
Dois anos depois da segunda maior tragédia de Benguela, sendo que a primeira ocorreu em 1972, tinham lá estado técnicos daquele órgão que, juntamente com a coordenação do bairro, fizeram o levantamento de casas destruídas para, consequentemente, os titulares serem contemplados em outras zonas com melhores condições de habitabilidade na Urbanização dos Cabrais, também conhecido por Camuringue. “Ó pai, ainda bem que vieram, estamos mal aqui”, começou por se explicar a senhora Rosa Manuela, que lamenta a falta de condições na zona. Ela manifesta-se preocupada com as chuvas que, de um tempo para cá, têm, novamente, tirado o sono a centenas de moradores, sobretudo os da zona baixa, para onde converge o volume de água.
“Toda água vem para baixo. É aqui, neste campo, onde recolhemos os nossos mortos em 2015”, apontou a senhora para um campo de futebol, sem saída para água, tendo realçado que esse quadro os tem deixado sitiados, sobretudo quando chove. “Aqui, quando chove, a gente fica preso. Por exemplo, se estiver fora do bairro, a pessoa não consegue entrar”, acrescenta, que espera ver resolvida a questão do alojamento por parte do Governo Provincial de Benguela.
“A chuva que aconteceu nos preocupou muito. Muitas casas caíram de novo por causa daquela ventania. À falta de água, todos os tubos rebentam. Aqui não tem mesmo condições. O Governo tinha que velar por isso”, contou uma outra interlocutora, a dona Sabina Camunda, com um olhar céptico de quem já não acredita na materialização de promessas feitas, mas lembra ao Governo das suas responsabilidades sociais.
“Escola aqui é de chapa. Com a chuva, as crianças estão a estudar mesmo mal. Apelamos para o Governo ver esta situação. Te- mos medo da chuva, nos tirem só daqui”, implora. Moradores querem ver materializada a promessa de há anos, por estarem em zonas de risco, até porque o bairro já foi descrito como sendo de risco, conforme atesta uma placa implantada pela Administração Municipal da Catumbela a qual desaconselha qualquer tipo de construção na área.
Reconstruções anárquicas
Todavia, alguns cidadãos desafiam as autoridades e testam também a ‘paciência’ da mãe natureza com reconstruções anárquicas. Não obstante os alertas dados, cidadãos há que, depois de as suas residências terem sido destruídas em 2015, as reconstruíram justamente em zonas anteriormente devastadas pela força das enxurradas. “Vamos fazer mais como se, até aqui, o Governo não construiu as casas?”, lança no ar a pergunta o cidadão Adelino Abel, que, curiosamente, guarda no seu subconsciente más recordações do fatídico mês de Março de 2015. “Era difícil recolher os mortos aqui. Mas, agora, nós precisamos de sair daqui. Temos medo da chuva”, manifestou-se Adelino Abel.
Petizes inocentes brincam nos charcos
Os adultos manifestam um elevado nível de preocupação para com as condições de vida no bairro, mas o mesmo não se diz dos seres mais inocentes desta vida, as crianças. A nossa reportagem acompanhou-as a saltitar de um lado para lado, cientes de que aos adultos – entre os quais governantes – cabe a resolução dos seus problemas sociais.
Enquanto umas iam à improvisada escola de chapa para aprender o bê-a-bá, numa zona contígua ao campo de futebol, outras brincavam aos mergulhos nos vários charcos de águas feitos à base das quedas pluviais dos últimos dias, que ceifaram a vida de oito pessoas nas cidades do Lobito e Catumbela.
Isto acontece porque as suas “ciências” ainda não se lhes permite ter noção do que é, efectivamente, uma zona de risco. A brincadeira deles foi interrompida por um instante quando deram pelo autor destas linhas a confabular com senhoras, nu- ma pequena passagem de água, onde elas lavavam roupas. Acercaram-se do repórter. Tamanha era a curiosidade que se lhes cor- ria na veia, apesar de, com idades compreendidas entre 4, 5, 6 anos, não terem um quociente de inteligência capaz de processar tudo à sua volta.
Administrador diz que obra era ilegal
Famílias realojadas na Urbanização dos Cabrais venderam as residências para regressar ao Morro No fatídico dia 11 de Março de 2015, quando se deu a tragédia, a coordenação do bairro procedeu ao levantamento das casas destruídas pelas enxurradas, para o processo de alojamento em zonas mais segura. Esta responsabilidade tinha sido atribuída a Adelino Isaac, vice-coordenador, que manifestou preocupação com o facto de quatro famílias – a quem se lhes deu residências na Urbanização dos Cabrais – terem abandonado a zona, sendo que outras chegaram mesmo a vender, alegando falta de condições para habitabilidade, e, de seguida, regres- saram ao Vikundu.
Ele explicou que, na época, logo após o sucedido, apenas quatro famílias tinham recebido residências na Urbanização dos Cabrais e, hoje, centenas de famílias continuam desesperadas à espera de casas. “Existem pessoas que têm casas lá no Camuringue e, até aqui, não residem lá, voltaram de novo às zonas risco. De momento, controlo seis famílias que estão nesta condição”, reprovou, salientando que estão em curso campanhas de sensibilização, a fim de que abandonem as zonas de risco. “Eles dizem que as condições de lá não estão assim tão boas, não há água e fica muito difícil com o trabalho’’, conta.
Administração “abraça” igrejas a pensar em apoio
A administradora municipal da Catumbela, Kátia Teixeira, reconhece que a área do Vikundu foi a mais devastada pelas chuvas de Março de 2015, reprovando, entretanto, a construção em zonas classificadas como sendo de risco. A governante admite debilidades do município nesse quesito, ao mesmo tempo que dá conta de acções conjuntas com entidades religiosas e da sociedade civil tendentes à garantia de melhor local de habitabilidade para a população.
De acordo com Kátia Teixeira, a sua administração desenvolve – sob coordenação da Área Técnica do Governo Provincial de Benguela – um projecto de loteamento, no senti- do de se retirar um número de famílias em zonas de risco. “Ainda temos a questão das pessoas que vivem em zonas de risco. A zona do Vikundu foi a área mais afectada 2015. Há uma grande necessidade de a população se instalar e ter o curso normal de habitação”, considera.