Situado na província do Bengo, a 60 Km de Luanda, o perímetro irrigado de Caxito é uma das maiores referências na produção de frutíferas e hortícolas na região.
- Por: Norberto Sateco, enviado a Caxito
- Fotos de Nilton Monteiro
À entrada do vilarejo vislumbra-se, a Nordeste, o Vale do Caxito, atravessado pelo rio Dande, este, capaz de irrigar aproximadamente 3 mil hectares de terra arável. Por esta razão, não é necessário ser-se especialista para concluir as motivações desta iniciativa agrícola privada com capitais públicos, “Caxito Rega”, de 2008.
Mais do que fomentar o agronegócio e a criação de renda entre as famílias camponesas e também exmilitares, o projecto destinava-se a contribuir para a estabilização da economia, aumentando a produção interna e as exportações. Na vegetação arbustiva avistamos uma antiga extensionista rural, ou seja, uma técnica que monitora o desenvolvimento rural, que se identificou por Isabel Pegado, 78 anos de idade.
A idosa, enquanto organizava a pequena colheita de manga, relata as dificuldades por que passam para conseguirem alguns rendimentos resultantes da produção. “Com a ‘Caxito Rega’, o contrato que fizemos era de apoiar-nos em termos técnicos e na comercialização dos produtos, mas o que assistimos nos últimos 4 anos é que nada está a ser feito.
A Caxito Rega já morreu, praticamente. Já não existe”, considerou. Outra queixa que apresenta refere-se às dificuldades de transportação e à adopção de uma política de preços que favoreça a produção nacional, tendo Pegado sublinhado que “às vezes temos de despachar o produto a preço muito baixo, sob pena de apodrecer”, como habitualmente acontece com os mais de 300 produtores filiados no perímetro.
A ex-militar das FAA considera “altas” as taxas exigidas, como os emolumentos para a energia eléctrica, 6 mil kwanzas, água, 3 mil Kz, isto mensalmente, e, por parcela de terra disponibilizada, por hectare paga-se 26 mil ao ano. “Neste projecto nos são cobradas várias taxas e nós não vemos o que eles fazem por nós.
Não existe nenhum apoio, nem de acompanhamento e aconselhamento técnico para aumentarmos a produção. A água e a luz estão na conta do camponês. E eles não fazem nada, mas nada por nós” disse Isabel.
À semelhança de outras produtoras agrícolas, a principal reclamação refere-se ao que chamaram de “má gestão” por parte da direcção da empresa Caxito Rega, na pessoa do seu dirigente, João Pilamosi. Estes entendem que o dinheiro investido pelo Estado angolano e outros accionistas é demasiado para estar a ser gerido dessa maneira. “Acho que isto é mesmo uma roubalheira.
O projecto cobra dinheiro e não faz absolutamente nada por nós. Até a água do canal, o combustível e alugar as electrobombas, temos que pagar. Não tenho acompanhamento da minha produção. Ele não sabe se vendi ou não! Tens um problema, diz que vai mandar aqui um técnico, e nada! Dizem existir engenheiros e tudo o mas, a agente não sabe o que andam por cá a fazer”, desabafou uma outra produtora, Mena Pinto, de 58 anos de idade.
Sobre o deterioramento dos produtos, ela relata que há 5 anos foi instalada uma unidade fabril de transformação de produtos destinados à feitura de concentrado de tomate. Entretanto, mesmo tendo sido inaugurada pelo então ministro da Agricultura, Pedro Canga, a fábrica nunca chegou a funcionar, por motivos que se desconhecem.
Daí que dona Mena Pinto não tenha dúvidas de que “o projecto não esta à beira da falência. Está mesmo falido”, e vislumbra como alternativa a aposta numa outra associação, uma vez que as tentativas de se reunirem com a actual direcção da Caxito Rega, fracassaram por alegada falta de vontade política. Acrescentou que hoje existe mais mato do que terreno propriamente cultivado, e esclarece: “não porque as pessoas não têm vontade de trabalhar. Não há possibilidades de continuarmos sozinhos assim.
Já não temos água aqui”.
Quando têm é num outro sítio os tractores rebentaram com a tubagem e não temos como fazer”, lamentou a agricultora, para quem a política da direcção de confiscar as terras por improdutividade não é a mais acertada, uma vez que estes terrenos já passaram por várias mãos e os problemas antigos são os mesmos.
“campos agrícolas ao deus dará” Sem adiantarem números concretos, os produtores falam no abandono massivo dos detentores de parcelas de terra destinadas à agricultura. Um dos argumentos, segundo OPAÍS apurou, prende-se com a gritante falta de meios de produção, desde insumos e imputs agrícolas, por outro lado, apontam os custos de produção, que consideram altos, agravados com emolumentos por pagar à entidade gestora da Caxito Rega.
“Há agricultores que não estão a pagar a taxa”, declarou Mena Pinto, que levantou o assunto sob forma de protesto, na esperança de a gestão vir a terreiro tentar confiscar o terreno, e daí despoletar a bronca. “Não temos apoios.
Os sobreviventes do projecto são de famílias marcadamente ligadas à agronomia. Continuamos neste puxa-puxa. Se tiveres dinheiro para lavrar um hectare, lavras um pouco. Já não há o mesmo número de produtores, pois muitos acabaram por desistir”, explicou. Num misto de tensão e uma pitada de humor, a antiga funcionária das Nações Unidas confidenciou-nos como nasce a sua paixão pelo campo.
“Tinha filhos. Não trabalhava no Estado, e pensei que tinha que manter as lavras para sobreviver. Acabei ganhando gosto nisso, mas a gente veio para esta actividade para a subsistência das famílias”, lembra, reconhecendo que hoje, mesmo com a gritante falta de condições para o cultivo, não lhe falta em casa beringela, quizaca e outros produtos agrícolas. “
Com esta crise, eu não passo fome. Mas está difícil sustentar os outros que passam fome. Não consigo subir o salário dos trabalhadores”, revelou. Recordou que no princípio do projecto, em 2008, o INAPEM distribuía fertilizantes e adubos químicos, bem como insecticidas, impulsionando o aumento da produção cujos níveis já experimentavam a exportação para a Europa, pelo menos, da banana.
Apesar de o projecto contemplar uma estrutura de irrigação das mais modernas e económicas do mundo, de gota-a-gota e também de micro-aspersão, “nós só queremos que as condições para trabalhar, como tractores, buldózeres e fertilizantes sejam melhoradas”. Manguxi, nunca teve proposta para um crédito bancário dirigdo a pequenos agricultores.
Entretanto, mesmo que lhe fosse feita, olhando para os riscos decorrentes da inviabilidade e de um acompanhamento mais profícuo na perspectiva de uma cadeia de valores, Manguxi diz que preferiria declinar. “Temos vontade, mas ninguém nos apoia.
O Ministério da Agricultura está a coordenar o quê? Capim?”, indagou desapontado, desafiando a tutela a tomar as rédeas.
gestão desdramatiza e considera “um falso problema” Segundo o director geral Caxito Rega, João Pilamoso, várias questões apontadas pelos produtores não passam de falsos problemas, na medida em que foram acuteladas desde a implementação do projecto, em 2008.
O gestor começou por reconhecer a componente da transportação dos produtos do campo para a cidade como sendo o “handicap” estrutural em todo o país , embora a empresa que dirige seja uma excepção. “Nós tivemos a sorte de estar a sensivelmente 57 Km da cidade de Luanda, principal centro comercial, onde os empresários têm a possibilidade de se posicionarem, por isso é que 70 por cento da banana encontrada nas grandes superfícies comerciais é proveniente do perímetro irrigado de Caxito.
Quanto às taxas e emolumentos cobrados, o responsavél da entidade gestora do projecto referiu que de um universo de acima de trezentos produtores associados ao perímetro, apenas 10 por cento cumpre com o pagamento dessas obrigações.
João Pilamoso desafiou inclusivamente os produtores contestatários a provarem com os recebidos destes pagamentos, tendo acrescentado que não entende o facto de alegarem que não têm contrapartidas, uma vez que água e a terra estão disponíveis.
Quanto à energia, apontou essa responsabilidade à Empresa Nacional de Distribuição de Energia (ENDE), contrariamente ao que acontecia no início do projecto em que a Caxito Rega era quem cobrava e tinha a responsabilidade de garantir este bem.
A fonte considerou que é imprudente proceder à assistência técnica a um produtor que há mais de 6 anos não paga absolutamente nada, que se limita apenas a alegar que o contrato estabelece que esta acção é de carácter gratuito, e que ainda assim beneficiou do curso de capacitação para produtores.
“O produtor deve solicitar. Quando há algum problema, à semelhança de um doente, que para além da assistência pontual deve ir quando sentir-se mal, para que os técnicos possam dar esta assistência”, observou o engenheiro agrónomo.
Dvedores prejudicam 120 milhões de Kwanzas ao ano João
Pilamoso revela que o não pagamento das taxas levam a perdas anuais de mais de 120 milhões de Kwanzas.
Por esta razão, há cerca de dois meses a direcção daquela empresa de capitais públicos e privados lançou um repto aos produtores no sentido de regularizarem as suas contas, assim como para aqueles que não fazem o aproveitamento das parcelas atribuídas, sob pena de verem rescindido os contratos e a consequente perda do terreno à favor de outro interessado.
“Aos donos destas parcelas que estão em estado de abandono nós demos 60 dias para regularizarem a sua situação, sob pena de serem confiscadas”, advertiu.