A cumprir pena, por algum crime cometido, dezenas de cidadãos recebem a mensagem de Deus em cadeias e são chamados ao arrependimento. Este programa de reabilitação dos Serviços Prisionais, suportado por mais de 20 Igrejas, tem ‘libertado a vida’ de muitos presidiários.
POR: Romão Brandão
Para muitos, “pau que nasce torto, cresce torto”, o criminoso não se arrepende e, alguns vão mais longe, defendendo que “deve apodrecer na cadeia”. As cadeias existem também para corrigir o cidadão e, por isso, os Serviços Prisionais de Angola, não fugindo à regra, aceitam a parceria com as Igrejas para este fim. Pastores, evangelistas ou padres transmitem todo o tipo de mensagem, sustentando-se na Bíblia, com mais ênfase para aquelas que chamam o indivíduo ao arrependimento, como Mateus 3-2, Atos dos Apóstolos 3-19 ou Lucas 13- 3, entre outros livros e versículos. Muitos detidos ouvem e resistem à palavra, enquanto outros acreditam e procuram pela ‘liberdade’.
Foi preciso parar à cadeia, por cinco vezes, para João Van-Dúnem, de 36 anos, arrepender-se da vida que levava. Iniciou-se na senda do crime quando tinha 17 anos, por influência de amigos, geralmente sob efeito do álcool, liamba e até mesmo cocaína. Por não aceitar os conselhos da família, passou a viver com os amigos. Pela primeira vez, em 2005, por assalto na via pública, ficou preso durante sete meses na Comarca Central de Luanda (CCL), até a sua família ter pago a caução. Passaram- se quatro anos e ingressou numa outra quadrilha, no bairro do Benfica, cujos assaltos eram feitos nos arredores do mercado Kifica, praia da Nicha e Dona Xepa.
Em 2009, foi novamente preso por nove meses, na mesma comarca. Foi evoluindo no mundo do crime e passou a fazer assaltos com arma de fogo, em cantinas e residências. Dentre as suas sucessivas entradas e saídas da prisão, esteve quatro vezes na CCL e uma na Comarca Central de Viana, ouviu a palavra de Deus em todas e converteu- se apenas na quinta vez. “Foi na CCL, em 2012, que me converti. Nas outras vezes, não me senti tocado, só rezava para ser libertado. Quando me converti, comecei a evangelizar dentro da cadeia e, até hoje, não paro de o fazer. A decisão de mudar partiu de dentro da cadeia”, confessa.
De preso a pregador dos presos
No próximo mês, a 5 de Março, João completará “cinco anos na liberdade”, é casado, e quinzenalmente “prega o evangelho” na CCL, além de outros pontos, como autocarros e mercados. Faz com o objectivo de levar, aos que sofrem, a acreditarem que Deus algum dia vai operar em suas vidas, tal como fez com a sua. Tem um documento que lhe autoriza a evangelizar na CCL e luta para conseguir um segundo que lhe permitirá entrar na Cadeia Central de Viana. Não se envergonha de contar a sua história de superação, porque ajuda a resgatar quem se encontra perdido. É fundamental que seja alguém que passou dificuldades, a falar sobre o quão difícil é estar preso, dormir “à catana”, não receber visitas e ser esquecido pela família.
“Não ter vergonha de contar a história de superação ajuda a tirar do sufoco muitos irmãos”, como também defende Veloso Albino Fontes, de 21 anos. Veloso também esteve preso, pertencia a uma quadrilha no bairro da Madeira, nas Ingombotas denominada “Os loucos do Jumbo”, que assaltavam residências, e foi consumidor activo de estupefacientes. Do bairro da Madeira, passou para o bairro da Gamek, a roubar motorizadas e a protagonizar violações sexuais, ao ponto de parar na cadeia, em 2010. Andou de cadeia em cadeia, até que, em princípios de 2017, ouviu o sermão de João Van-Dúnem. A princípio riase dele e levou tempo para entender a mensagem. “Deus me libertou, hoje evangelizo também na cadeia, nos autocarros e noutros locais. Cortei o cabelo e já não levo a vida de delinquente, nem a vida das drogas. As pessoas que ouvem o meu testemunho acreditam no poder de Deus e têm fé na libertação”, sublinhou.
Só para igrejas legalmente reconhecidas pelo Estado
Fernandes Manuel, do Departamento de Assistência e Reabilitação dos Serviços Prisionais, em entrevista ao O PAÍS, referiu que, no âmbito do processo de reabilitação, um processo que ocorre em todas as dimensões da personalidade do recluso, do ponto de vista físico e psicológico, direccionam também os seus trabalhos na componente espiritual. A privação da liberdade altera o comportamento do indivíduo. Além das actividades lúdicas, artísticas e ofícios, os Serviços Prisionais recebem assistência religiosa com a cooperação das igrejas legalmente reconhecidas pelo Estado. Do ponto de vista espiritual, dão oportunidade ao cidadão de escolher o credo religioso e a esperança de uma vida melhor.
Há os que antes de serem presos professavam alguma religião e continuam na cadeia, como também os que nunca professaram e revêem- se numa das que colaboram com os Serviços Prisionais. Neste momento, os Serviços Prisionais contam com um total de 21 Igrejas que prestam apoio neste sentido, sendo a Igreja Católica há 20 anos, Igreja Metodista há 15 anos, Igreja Assembleia de Deus Pentecostal também há 15 anos e a Igreja Adventista do Sétimo Dia há 11 anos, como as mais antigas na parceria. “prega o evangelho” na CCL, além de outros pontos, como autocarros e mercados. Faz com o objectivo de levar, aos que sofrem, a acreditarem que Deus algum dia vai operar em suas vidas, tal como fez com a sua. Tem um documento que lhe autoriza a evangelizar na CCL e luta para conseguir um segundo que lhe permitirá entrar na Cadeia Central de Viana. Não se envergonha de contar a sua história de superação, porque ajuda a resgatar quem se encontra perdido.
É fundamental que seja alguém que passou dificuldades, a falar sobre o quão difícil é estar preso, dormir “à catana”, não receber visitas e ser esquecido pela família. “Não ter vergonha de contar a história de superação ajuda a tirar do sufoco muitos irmãos”, como também defende Veloso Albino Fontes, de 21 anos. Veloso também esteve preso, pertencia a uma quadrilha no bairro da Madeira, nas Ingombotas, “As entidades religiosas mostram interesse em prestar este serviço, nós fizemos o levantamento da legalidade da mesma, a partir da publicação em Diário da República, só depois é que aceitamos o pedido”, disse o responsável, tendo acrescentado que têm recebido inúmeros pedidos de igrejas não reconhecidas.
Este exercício espiritual tem um grande efeito reabilitativo, segundo o entrevistado e, por isso, não discriminam qualquer tipo de igreja, desde que esteja legal. Dependendo da unidade penitenciária, cada director define o seu calendário para não atropelar o programa definido pelos Serviços Prisionais. Muitos dos presos já revelaram que graças à igreja é que conseguem resistir à privação da liberdade, “ já houve casos de indivíduos que entraram em estado de transe, como resultado da acção dos cânticos ou louvores”, conta. Os resultados são satisfatórios e são medidos a partir do retorno da família, bem como dos presos que dizem esquecerem-se de que estão privados de liberdade. “Temos alguns casos positivos, como indivíduos que entraram como ateus, converteram-se e hoje levam a palavra do Senhor, depois de cumprirem a pena nos nossos estabelecimentos”, refere com grande satisfação.
‘Para nada nos serve a vida, se não for vivida com Deus’
Conhecemos o jovem Zezildo José, de 25 anos, durante uma das suas pregações num autocarro da Macon com destino ao Golf II , proveniente do Benfica. De camisa branca, o seu sermão centrou-se no arrependimento, apelando o próximo a abandonar a fornicação, o alcoolismo e demais drogas, incluindo as práticas obscuras. Com um moderado toque de humor, para abrir a mente e os corações, Zezildo conquistou o público e conseguiu que, no final da sua pregação, todos os passageiros aplaudissem Jesus. Pela forma como transmite a palavra de Deus, apesar de citar, em alguns momentos, que esteve perdido “no mundo das trevas”, muitos não acreditam que foi criminoso.
Zezildo nasceu no Cazenga e estreou-se no mundo do crime, em 2008, no Morro Bento, porque queria possuir os bens que as outras pessoas, que tinham poder de compra, ostentavam. “Roubei em lojas, assaltei residências e cheguei a violar. Em 2012, fomos roubar numa empresa que vende motorizadas. O grupo era composto de seis pessoas e roubamos cada uma um moto, mas no dia seguinte fomos detidos pela polícia”, explica. Foi parar também na Comarca Central de Viana e, pela primeira vez na sua vida, teve a oportunidade de pertencer a um grupo (que não é de marginais: coral).
Ouviu um jovem a pregar na cadeia que no final perguntou quem queria receber Jesus no coração e pertencer ao grupo coral. O interlocutor não hesitou, de tanta angústia que vivia ali dentro. Não tendo o que comer nem o que beber, assistindo presos a passarem mal e gravemente doentes, viu que “a única solução era aceitar Jesus”, revelou, tendo acrescentado que “para nada nos serve a vida, se não for vivida com Deus”. Os três interlocutores não se envergonham de falar sobre o seu passado, por ser verdade e acreditam que a verdade liberta. Concordam que o testemunho comove e edifica a vida da pessoa e invocam o Salmos 119 – 14, que diz “folgo mais com o caminho dos teus testemunhos do que com todas as riquezas”, lê-se.