O Tribunal Provincial de Luanda condenou, ontem, o cidadão que atraiu a namorada a um posto médico clandestino para abortar uma gravidez de seis meses e, em consequência disto, esta perdeu a vida. Foi ainda condenado, a mesma pena, o suposto enfermeiro
Por: Romão Brandão
Os jovens Cláudio Soares e Gilson Félix, o 1º o namorado e o 2º o suposto enfermeiro, acusados pelos crimes de homicídio qualificado, aborto e cárcere privado, em que é vítima a jovem Arlete Mônica Bunga, foram, ontem, condenados a 22 anos de prisão, sentença ditada na 8ª Secção da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, no Benfica.
Pelo mesmo tribunal, foi ainda condenado a 15 anos de prisão, por cumplicidade no crime de homicídio e aborto, o jovem Narciso José, que, segundo consta nos autos, terá arranjado o enfermeiro que interrompeu sem sucesso a gravidez de Arlete, tendo contribuído para o seu falecimento.
Cláudio Soares, o namorado, trajava camisa branca, calças preta, casaco preto e sapatos do tipo camurça com a mesma cor, bem como usava um relógio de pulso preto e fundo branco. As condições climáticas (precárias) da sala o fizeram transpirar, mas, apesar da pena de 22 anos, que se cumprida na totalidade sairá da prisão com 52 anos de idade, o réu conteve as emoções e não chorou.
Choraram a sua mãe e a irmã do enfermeiro, e o oficial de diligência viu-se obrigado a colocá-las fora da sala de audiências, por terem perturbado a leitura do acórdão. Os três réus terão ainda de pagar, como indeminização, 2 milhões e 500 mil kwanzas a família da vítima, bem como 100 mil kwanzas de taxa de justiça.
Os três cidadãos foram condenados porque, para o tribunal, dos 31 quesitos apresentados, pelo menos 28 ficaram provados, e destes consta que Cláudio Soares mantinha uma relação secreta de namoro com a vítima havia 2 anos e 4 meses e entendeu livrar-se dela por estar prestes a casar-se com a sua então mulher.
Assim, contactou o amigo Narciso José para que lhe arranjasse um médico que interromperia a gravidez da jovem Arlete Mônica Bunga, de 26 anos. O co-réu Narciso José arranjou o suposto enfermeiro, Gilson Félix, e, com este, desencadearam o plano que consistia inicialmente em convencer Ar-improvisado, onde, alegadamente, faria uma ecografia para identificar o sexo do bebé.
Tendo aceite tal proposta, Narciso transportou a vítima, acompanhada de uma amiga, na sua viatura, até ao “posto” do enfermeiro Gilson, no bairro Rocha Pinto. Sob a promessa de lhe ser paga a quantia de 65 mil Kwanzas, o “enfermeiro” não hesitou aexecutar a acção, e para além da “ecografia”, administrou à grávida, através de uma seringa, uma medicação que provocara parte do aborto.
A negação do réu
Durante a fase de produção de provas, segundo o advogado do réu Cláudio, durante a apresentação das suas alegações orais, ficou provado que este não esteve no “local do crime” na altura em que foi feito o aborto. Para o advogado Walter Tondela, o aborto foi provocado com o consentimento da vítima.
Quando estava a ser lido o acórdão, Cláudio movia constantemente a cabeça, em jeito de negação, mostrando que não concordava com os factos apresentados nos autos. Entretanto, quando lhe foi dada a palavra pela última vez, apenas disse que está disposto a cuidar da outra criança da vítima, embora não seja ele o pai do menor, até que esta atinja a idade adulta.
O advogado de Cláudio, Walter Tondela, interpôs recurso a sentença com efeito suspensivo e pediu que o seu réu aguardasse a decisão do Tribunal Supremo em liberdade. No mesmo diapasão foram os outros dois advogados, dos demais réus, mas o juiz da causa, José Pereira, aceitou apenas o efeito suspensivo do recurso e discordou sobre a situação carcerária dos réus. Neste contexto, o juiz orientou que os agentes dos serviços prisionais algemassem os réus e os conduzissem à cadeia.
Os réus irão aguardar os termos processuais sob custódia, salvo se prestarem uma caução de 3 milhões de kwanzas para cada um, segundo a ordem do tribunal. Sobre a decisão do tribunal, a mãe da vítima, Kalukotico Mônica, disse não concordar com o pagamento da caução e que o namorado da filha tinha de permanecer na prisão. “E, outra coisa, devia ser mesmo 24 anos de prisão, porque eu perdi a filha”, disse. Já o tio da vítima, Rogério Canda é dos que concordam que perderam “duas vidas”, pois que o bebé de 6 meses já estava formado, e, por isso, continua clamando que se faça justiça, mesmo depois da decisão do T. Supremo.
A princípio mostra-se satisfeito com a decisão do tribunal. Quem não se mostrou satisfeita com a decisão do tribunal é a mãe do jovem Cláudio, cuja tensão arterial subiu e desmaiou no corredor do tribunal. Ao ser reanimada pelas outras filhas, a senhora pôs-se em troca de palavras com uma das irmãs da vítima, ao ponto de “rogar pragas” a esta, alegando que não mais iria gerar filhos. A situação criou confusão entre as famílias, e um mau clima no tribunal, ao ponto de a Polícia verse obrigada a intervir, bem como o advogado de Cláudio, para apaziguar os ânimos.