As acções de combate ao crime económico e financeiro e à corrupção vão passar, no próximo ano, a estar centrada em três órgãos do Estado, nomeadamente o Tribunal de Contas — que passa a receber a maior fasquia do bolo —, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Inspecção-Geral da Administração do Estado (IGAE), que poderá sofrer uma redução das verbas de mais de mil milhões de kwanzas. O Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos deixa de desenvolver acções neste e âmbito
O programa de reforço do combate ao crime económico e financeiro e à corrupção, levado a cabo pelo Estado, vai consumir 16 mil milhões, 553 milhões, 421 mil e 926 kwanzas no próximo ano, de acordo com o Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2024, aprovado pela Assembleia Nacional, nesta quarta-feira.
O Tribunal de Contas, órgão responsável por fiscalizar a legalidade dos actos de gestão financeira e administrativa do Estado e demais instituições públicas e privadas determinadas por lei, é a unidade orçamental que vai receber a maior fasquia do bolo.
Isso porque o Estado prevê disponibilizar 11 mil milhões, 812 milhões, 432 mil e 588 kwanzas para que a sua equipa possa executar o programa de reforço do combate ao crime económico e financeiro e à corrupção.
Para a execução deste programa, este ano, o Tribunal de Conta inscreveu no OGE 2023, em execução, despesas avaliadas em apenas 6 mil milhões, 279 milhões, 836 mil e 640 kwanzas, o que se, comparado com o orçamento previsto para o próximo exercício económico, regista um aumento de 5 mil milhões, 532 milhões, 595 mil e 948 kwanzas.
De toda a verba que será canalizada ao TC no próximo ano, a maioria, isto é, 6 mil milhões, 855 milhões, 454 mil e 906 Kz, vai ser aplicada em acções de “fiscalização concomitante e promoção de auditorias”, registando um aumento de 575 milhões, 619 mil e 266 kwanzas, comparativamente ao ano em curso.
Segundo o referido documento, este órgão de soberania, que tem também a missão de assegurar a adequada aplicação dos recursos públicos em benefício de todos os angolanos, vai gastar 3 mil milhões, 910 milhões, 338 mil e 243 kwanzas com a revisão da legislação e regulamentação do seu sector.
O remanescente, mil milhões, 46 milhões, 639 mil e 439 kwanzas vai ser canalizado para a edição e publicação de revista e relatórios da instituição.
Segundo apurou OPAÍS, a implementação destes dois projectos é de elevada importância para a instituição, porquanto, ao lado das acções de fiscalização e controlo, está a desenvolver projectos pedagógicos com vista à criação de consciência de prestação de contas e adopção das boas práticas de gestão pelos gestores públicos.
PGR ficará com a segunda maior fasquia do bolo A Procuradoria-Geral da República, um dos órgãos do Estado que mais se destaca no combate à corrupção, vai receber 4 mil milhões, 117 milhões, 669 mil e 617 kwanzas para executar o seu Plano Estratégico de Combate à Corrupção no próximo ano.
Neste caso, notase que haverá uma redução de 600 milhões, 492 mil e 993 kwanzas, uma vez que no orçamento deste ano foram inscritas despesas na ordem de quatro mil milhões, 718 milhões, 162 mil e 610 kwanzas.
Saliente-se que a PGR tem três departamentos envolvidos em acções do género, designadamente a Direcção Nacional do Plano de Combate à Corrupção (DNPCC), o Serviço Nacional de Recuperação de Activos (SNRA) e a Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP).
Já a InspecçãoGeral da Administração do Estado (IGAE), de onde saiu o actual presidente do Tribunal de Contas, Sebastião Domingos Gunza, vai sofrer uma drástica redução de mil milhões, 207 milhões e 306 mil kwanzas para 100 milhões de Kwanzas.
O Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, liderado por Marcy Lopes, excluiu do seu orçamento para o próximo ano o programa de reforço do combate ao crime económico, financeiro e à corrupção.
No entanto, tinha previsão de receber este ano 5 mil milhões, 823 milhões, 298 mil e 735 kwanzas.
Exclusão de verbas para o MJDH satisfaz sociedade civil
O director executivo da Associação Pro Bono Angola, Milton Bartolomeu, classificou, em declarações ao jornal OPAÍS, assertiva a exclusão do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos (MJDH) do leque de instituições que recebem verbas para implementar um programa de combate à corrupção, por se tratar de um ente público que não tem vocação imediata para o efeito.
“Os fundos públicos destinados ao combate à corrupção e crimes conexos deveriam ser destinados aos órgãos com vocação directa e imediata para conhecer, prevenir, reprimir e combater este fenómeno pernicioso ao desenvolvimento económico e social da nossa sociedade”, detalhou.
Para sustentar a sua tese, explicou que o referido departamento ministerial tem, de entre outras, a atribuição de implementar políticas e medidas de prevenção, repressão e combate aos crimes que afectam a boa governação.
Acções essas que, na sua opinião, parecem colidir ou interferir com as atribuições da Direcção Nacional de Prevenção e Combate à Corrupção (DNPCC), que tem vocação imediata para o efeito.
Ainda assim, considera que o MJDH deve continuar a implementar as suas acções neste domínio, por também ser uma das suas atribuições estatutárias.
“Todos os órgãos da administração directa e indirecta do Estado, bem como as demais pessoas colectivas públicas e privadas, têm de envolver-se afincadamente no combate contra a corrupção, independentemente de terem ou não verbas específicas para este fim”, frisou.
No seu ponto de vista, a abordagem da corrupção é, ou pelo menos deve ser, transversal a todos os sectores da sociedade, logo, todos devem engajar-se em promover a cultura da ética, da transparência e da prestação de contas na gestão de fundos públicos.
Quanto ao facto de a maior fasquia destinada ao referido programa ter sido atribuída ao TC, o também advogado justificou que se deve ter em conta que este órgão de soberania tem como missão primeira fiscalizar preventiva e sucessivamente a legalidade dos actos de gestão financeira e administrativa do Estado e demais instituições públicas e privadas.
Fazendo uma resenha histórica da institucionalização do Tribunal de Contas, em 1996, pela Lei n.º 5/96, de 12 de Abril (…), Milton Bartolomeu salientou que os dados actuais indicam que a sua existência não inibiu nem desencorajou a prática generalizada e sistémica de actos de corrupção no país.
“Tampouco eram conhecidos casos de criminalização e responsabilização de gestores públicos por práticas de actos de corrupção.
Apesar dos inúmeros casos detectados e tornados públicos pelo próprio TC, ainda assim, a sua acção não fez recuar a prática de actos de corrupção”, frisou.
Para demonstrar que as coisas tomaram um rumo diferente, recordou que “muito recentemente a titular daquela alta instância judicial foi compelida a abdicar das suas funções, alegadamente por estar mancomunada com a corrupção. Dito isto, reitero o que já afirmei antes”.