Algumas associações cívicas organizadas contactadas por este jornal dividem opinião em relação à criação de uma instituição, de acordo com sugestão da Procuradoria-Geral da República, para gerir os bens confiscados no âmbito da corrupção, em defesa do interesse público, mas são unânimes na exigência de autonomia desta nova entidade, caso se venha a concretizar
A procuradora-geral adjunta da República, Inocência Pinto, durante abertura do Workshop sobre confisco de activos, realizada na última Terça-feira, 18, em Luanda, apresentou como sugestão a criação de uma estrutura que cuidasse da valorização dos bens confiscados, para que não se deteriorem, enquanto aguardam decisão judicial. A mesma podia ser integrada por uma comissão de auditoria e pela Sociedade Civil, que se encarregaria em velar pelas boas práticas contabilísticas em defesa do interesse público.
A intenção foi acolhida por algumas associações com quem OPAÍS contactou, mas exigem que a mesma tenha respaldo legal e seja independente. A Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD) referiu não conhecer ao pormenor o quadro teórico e a fundamentação desse assunto, daí ser difícil para a sua organização tecer comentários favoráveis ou apontar os defeitos da sugestão da PGR. Serra Bango manifestou, no entanto, que a ser verdade, se está em presença de um assunto em que o Estado não consegue ser fiel depositário dos bens que apreende e não tem capacidade de gestão ou de conservação deste património. Só desta maneira é que se pode entender a iniciativa.
“O património financeiro não se deteriora, ao mesmo tempo que para toda a gente. A não ser que a PGR ou o Estado queira fazer uma jogada de mestre, para mostrar que no combate à corrupção utiliza uma política de inclusão na medida em que estará lá também a Sociedade Civil, mas isso em si não significa que o combate à corrupção esteja a ser feito de forma imparcial”, argumentou.
Sem querer tirar mérito à questão, Serra Bango adianta que gostaria de ver primeiro o quadro, os critérios que definem o projecto e o que se pretende, pois essa situação é muito aos conselhos que se criaram como Social e Económico e o da República “A eficácia destes conselhos não é sentida ou pelo menos não é tida nem achada. Tenho algumas dúvidas e receios em relação à eficácia, pois as atribuições desta instituição seriam só e apenas para gestão do património imobiliário, então que se definam políticas, balizas que deve estar à guarda do fiel depositário e de seguida qual é o destino que se deva dar”, justificou.
OMUNGA
Já a OMUNGA aponta que a sugestão não é nova, pois já existe em Angola uma Lei que institui a auto-autoridade de combate à cor- rupção, em que têm publicamente defendido a necessidade de criação de um órgão independente que pudesse gerir a necessidade que temos como país, para juntos enfrentarmos o fenómeno que é a corrupção. “Nós já propusemos, incluindo no último colóquio organizado por nós, levantamos esse aspecto, pois há toda a necessidade de revermos o plano de combate à corrupção, pois não deve ser apenas encarada como questão do Presidente da República ou do partido no poder”, defendeu João Malavindele.
Nós enquanto Sociedade Civil nunca fomos tidos nem achados nesta “luta”, naquilo que são as políticas para a tomada de decisões, como estão a ser geridos os bens já recuperados, enfim. Até agora, nós temos estado à margem do processo. Para a sua agremiação é importante que haja uma Lei que venha a dar suporte à criação dessa entidade, com órgãos executivos ou deliberativos, com regulamento definido de modo que os que forem indicados ou eleitos para esta entidade, tenham como fundamento na sua execução a base legal sem dependência do poder político ou uma outra instituição que tenha poder para influenciar processos. “É preciso que se crie um colégio que por si só possa decidir sobre determinados assuntos, e havendo uma superintendência que seja independente, que não tenha conotação política. Não podemos olhar o combate à corrupção apenas na vertente punitiva, também tem o lado educativo, informativo e tudo isso deve-se ter em conta”,
OPSA
Segundo o coordenador do Observatório Político e Social de Angola, Sérgio Calundungo, faz todo o sentido que se busquem as melhores soluções para a questão da gestão dos activos e, para si, a medida é inovadora, tendo como um dos motes a integração da Sociedade Civil. “Porque estamos a falar de bens públicos. Aqui muitas vezes se confunde bens públicos com bens do Estado, a verdade é que de certa forma estes pertencem aos cidadãos”, salientou Calundungo, adiantando que embora não conheça ao pormenor a iniciativa, a sugestão vem responder a uma necessidade que é a de haver uma melhor gestão dos activos, fazendo com que se evitem danos como a perda de empregos.
Para o cidadão Calundungo, caso se venha a efectivar esse desiderato, há toda a necessidade de mostrar capacidade em manter o valor social dos empreendimentos, pois fruto dos confiscos muitas empresas deixaram de operar e, em consequência, muita gente ficou desempregada. “É importante que o Estado recupere activos que pertencem a todos nós, mas temos experiência em ver muitas vezes o acto de recuperação levar a que muitas pessoas perderem os empregos. É lícito que o Estado recupere, porque são dinheiros tirados ilicitamente dos Cofres do Estado, mas é importante diminuir os danos que esta situação tem vindo a causar”, apontou.
O Estado, segundo ainda Sérgio Calundungo, depois de recuperar vai passa à venda esses activos ou entrega a outrem, e às vezes vende muito mais barato do que o preço do mercado, ou vende em troca de valores muito inferiores daqueles que foram retirados dos cofres públicos. Era por isso de todo importante assegurar isso. “É preciso que haja transparência. Precisamos saber o que foi recuperado, a quem foi recuperado, com uma avaliação bastante independente e autónoma, de quanto é que isto é, o que realmente vale e na fase de se traspassar à alguém, se saberá o por quê que se está a passar por esse valor”, rematou.
Mãos Livres
Por sua vez, a Associação Mãos Livres considera a iniciativa da PGR é válida embora peque por tardia, depois de vários casos de indícios de corrupção praticados por agentes públicos, cuja responsabilidade era gerir e decidir sobre de- terminados processos. Guilherme das Neves aponta que com essa medida, poder-se-á aferir com maior exactidão sobre os activos recuperados e como serão aplicados, pois, a seu ver, apesar das informações de recuperação pouco ou nada se sabe dos destinos a que são encaminhados estes bens. “Com uma gestão dessas as pessoas vão de facto usufruir. A medida é acertada e poderá afastar as suspeições segundo as quais, alguns agentes do Ministério Público e Juizes estarão a apossar-se desses bens a seu favor. Logo, com esta entidade, desde que seja independente é muito bem-vinda”, concluiu.