O governador da Lunda-Norte, Ernesto Muangala, concedeu, ontem, uma entrevista aOPAÍS, na qual revela que se reduziu o número de casos de malária registados nos últimos três meses deste ano em Cafunfo, e que o quadro sanitário está sob controlo. Criticou também as declarações de um deputado da UNITA tecidas contra si numa entrevista à Voz da América.
POR: Ireneu Mujoco
Senhor Governador, qual é o real quadro sanitário do sector de Cafunfo, que, nos últimos dias está assolado por malária, sendo as crianças as principais vítimas?
A localidade de Cafunfo, município do Cuango, que tem 130 mil habitantes, segundo o censo populacional de 2014, feito pelo Instituto Nacional de Estatísticas(INE), vive um momento de aumento de casos de malária nestes últimos meses do ano. Como sabe, o nosso país é endémico, a primeira causa da morbi-mortalidade em Angola é a malária, principalmente nas crianças.
Qual é a causa principal desta epidemia?
Em primeiro lugar está o deficiente saneamento básico do meio, agravado pelas constantes chuvas que se abatem sobre a província da Lunda-Norte, em particular no sector de Cafunfo, no município do Cuango.
Quantos casos foram registados durante este período?
De Janeiro a Novembro deste ano, registámos 13 mil e 737 casos de malária, que corresponde a uma média mensal de mil e 248 casos. Os meses de Setembro, Outubro e Novembro foram os que tiveram maior número de casos, relacionados com a época chuvosa, fenómeno que se vem registando desde anos anteriores.
Quantos óbitos foram registados no Hospital Regional do Cuango(HRC) neste período?
De 1 de Janeiro a 30 de Novembro de 2017 registámos 74 óbitos por malária, que correspondem à uma média de sete óbitos por mês, com proeminência nos menores de cinco anos de idade. Portanto, estes óbitos são intra-hospitalares. Os meses de Setembro, Outubro e Novembro tiveram o maior número de óbitos, sendo 3 em Setembro, 17 em Outubro e 8 em Novembro. Registámos também 18 óbitos extra-hospitalares nos bairros Bala Bala, Gika, Antena, Elevação e Terra Nova, nos últimos 15 dias.
Esteve a dirigir uma equipa multissectorial do Ministério da Saúde (MINSA) em Cafunfo. Quais são os resultados preliminares destes quatro dias de trabalho?
Esta equipa concluiu que houve aumento de casos de malária que estão assolar a localidade. Liderei uma equipa em que estiveram integrados especialistas em saúde pública, epidemiologia, pediatria, e outro da OMS-Organização Mundial da Saúde, e também trabalhamos no terreno com os colegas do município do Cuango.
Então não se trata de uma doença desconhecida?
Não se trata de uma doença desconhecida, tal como muitos diziam. Portanto, este período é propício para o aumento de casos e muitas famílias não recorrem aos hospitais com as crianças para tratamento. Preferem fazê-lo indo primeiro aos curandeiros, e depois do seu quadro se agravar recorrem então ao hospital, muitas vezes já em muito estado grave.
Não se trata de um surto?
Não se trata de nenhum surto. Mas sim de aumento de casos de malária. Mas a população alega evitar o hospital por falta de medicamentos… Temos que reconhecer que havia poucos medicamentos no hospital, ou houve ruptura, mas o hospital já foi reabastecido. Aliás, mesmo em alguns casos em que há medicamentos suficientes, uma boa parte da população recorre aos curandeiros e a várias seitas religiosas onde pensam que aí pode haver um milagre para curar os seus filhos.
Estes casos são recorrentes?
Sim. Muitas vezes essas crianças entram no hospital já com anemia severa. E a malária complica-se com a anemia severa. Uma das soluções passa imediatamente pela transfusão de sangue, mas alguns familiares recusam-se a fazê-lo, em obediência a algumas crenças culturais e religiosas. Como sabe, há muitas igrejas com esse tipo de crença nesta localidade.
O que é que está a ser feito para conter esta epidemia, aliás, para se evitar mais casos?
Vamos continuar a apoiar o município do Cuango com meios de combate anti-vectorial. Portanto, vamos colocar à disposição da administração viaturas de fumo para a pulverização do meio para combater o mosquito provocador da malária. Vamos também continuar a efectuar visitas de ajuda e controlo e garantir o reabastecimento em medicamentos para Cafunfo. Esses medicamentos virão de Luanda, a partir da Endiama, através do seu PCA, o Doutor Ganga Júnior, e do próprio Ministério da Saúde.
Fala-se também no reforço do quadro clínico do Cafunfo, confirma?
Exactamente. Dois médicos angolanos saíram do município do Lubalo e outros do Dundo, na capital da província, para Cafunfu. Portanto, essas são as nossas medidas ao nosso nível. Ao nível do município do Cuango, recomendámos que nos passe a enviar informações epidiomológicas semanais. Recomendamos também a fiscalização epidemiológica, assim como o uso de medicamentos, pois o principal destinatário deste produto é o doente interno ou externo.
Recomendamos ainda a criação de uma equipa de inspecção da saúde, integrada também por membros dos Serviços de Investigação Criminal(SIC), para inspecionar as acções da saúde, incluindo os serviços privados de saúde, em todo o município do Cuango. Também recomendamos a implementação das campanhas de limpeza nas comunidades em todo o município.
Quem vai liderar essa acção?
Eu pessoalmente. Vamos contar com o apoio de todas as empresas que desenvolvem actividade mineira no município do Cuango, com tractores e outros meios para limpeza. Este trabalho será permanente.
Há serviços de saúde (hospitais, centros de saúde ou postos médicos) ilegais no município do Cuango?
Sim. Razão pela qual deixamos instruções para que se trabalhe e se apure os legais, e que sejam encerrados os que funcionam à margem da lei, e se responsabilize os seus responsáveis civil e criminalmente pelos danos causados à sociedade pelo exercício de tais actividades ilícitas.
O apelo lançado recentemente à população para deixar de ir aos curandeiros e recorrer aos serviços de saúde já está a surtir efeitos?
Felizmente já está. O meu envolvimento como médico para diagnosticar e tratar os doentes no hospital também influenciou muito em termos de confiança no trabalho que está a ser feito. Não só no tratamento dos doentes, mas também na distribuição dos medicamentos. Já estão a aparecer no hospital crianças que estavam internadas em postos médicos privados e sem condições. Este é um trabalho para o qual contamos com os sobas e as igrejas. A nossa mensagem foi recebida e já há confiança no hospital público de Cafunfo. Como vê, tive de interromper as minhas férias superiormente autorizadas.
Há relatos de que os médicos prescreviam fármacos que o hospital não possuía, mas recomendavam aos doente ou aos seus familiares que fossem comprá- los em determinadas farmácias extra-hospitalares, algumas sendo pertença desses médicos, sabe disso?
Tomámos boa nota dessas denúncias da população. Enquanto governador da província, reuni-me com a direcção do hospital e com os médicos. Caso se venham a confirmar tais casos, ou vierem a acontecer outros, os prevaricadores serão responsabilizados civil e criminalmente.
Há a tendência de mudar a direcção do hospital para devolver mais confiança aos que procurarem pelos seus serviços, depois da situação vivida nos últimos dias?
Haverá mudanças, mas as mudanças serão feitas para se ajustar ou desafogar os quadros. Brevemente será nomeado um novo director do hospital e um novo director clínico. O director do hospital não deve continuar a acumular o cargo também de director municipal da saúde do Cuango.
Na sua primeira intervenção pública, pela imprensa, em Cafunfo, o senhor governador mostrou-se indignado pela forma como a situação foi trazida à baila pelos deputados da Bancada Parlamentar da UNITA, mantém-se indignado?
Tive conhecimento a partir do estrangeiro, onde me encontrava de férias, de que a localidade de Cafunfo estava a ser assolada por uma doença desconhecida. Face à situação, liguei para o novo administrador do Cuango, para o director da saúde e também para o director do gabinete provincial da Lunda-norte, fui informado de que não se tratava de uma doença desconhecida, mas de aumento de casos de malária, sendo que alguns casos estavam a resultar em óbitos. Mas as informações avançadas pelos ilustres deputados da UNITA, sobretudo pelo senhor Joaquim Nafoya, foram infelizes neste caso, e, sobretudo, contra a minha pessoa, enquanto governador.
De que informações se tratam, senhor governador?
São várias, mas sobretudo as que têm a ver com a minha demissão. São declarações do ilustre deputado Joaquim Nafoya, feitas à Voz da América. Não é tarefa do deputado pedir ao Presidente da República a exoneração de um governador. E tenho informações, a partir da própria UNITA, de alguns membros que se mostraram indignados com este pronunciamento do ilustre deputado, que pede ao Presidente da República para exonerar um governador que mereceu a sua confiança.
E qual é a interpretação que faz destas declarações do deputado Joaquim Nafoya?
De politizar a situação. Eu disse à TV Zimbo, em Cafunfu, que o momento não era para fazer campanha para autarquias, e as declarações do ilustre deputado visavam apenas manchar a imagem do governador e fazer aproveitamento político. O mais grave, no meio de tudo isso, é o facto de viajar e sem comunicar às instâncias superiores da província. Das vezes que o presidente da UNITA, doutor Isaías Samakuva, visitou a província, sempre avisou com antecedência às autoridades, e este gesto é saudável, e até garante melhor segurança aos próprios deputados, mas, infelizmente, tal não aconteceu com o deputado Nafoya.
Notou mais alguma gravidade nas declarações do deputado Nafoya?
Sim. Ele disse que eu não sou político. Eu sou membro do Bureau Político do MPLA, o segundo médico na história desta estrutura partidária, depois do saudoso Presidente António Agostinho Neto. Se eu não fosse bom político, a direcção do meu partido não me daria nenhuma responsabilidade de dirigir o MPLA desde 2008, e com bons resultados, na minha província. Ele não sabe que no mandato anterior fui um dos governadores melhor avaliados? Deixo um alerta ao senhor deputado Nafoya, que tenha ética política e que trate as pessoas com urbanidade. Quero lembrar-lhe que tanto os deputados como os governantes têm uma coisa em comum: trabalhar em prol do povo.