Os Serviços Prisionais começaram, esta semana, a conduzir o processo de liberta- ção de mais de 8 mil cidadãos em situação de privação da liberdade, no âmbito da Lei de Amnistia, recentemente aprovada pela Assembleia Nacional. Fonte ligada ao pro- cesso garante fiscalização da medida para não dar espaço a eventuais aproveitadores
O processo de recondução à liberdade começou no final do mês de Dezembro, excepcionalmente, com o Tribunal da Região Militar de Cabinda a emitir setenta e três (73) mandados de soltura a favor do mesmo número de indivíduos, todos afectos às Forças de Defesa e Segurança que cumpriam penas de prisão no Estabelecimento Penitenciário de Cacongo.
Para além destes, foram também postos em liberdade catorze (14) efectivos das Forças Armadas Angolanas (FAA) e da Polícia Nacional (PN) no município de Mbanza Kongo, província do Zaire. Beneficiaram do perdão, cuja soltura foi emitida pelo Tribunal Militar da Região Naval Norte, nove (9) militares das Forças Armadas Angolanas (FAA) e cinco (5) agentes da Polícia Nacional, entre detidos e condenados por crimes militares.
Processo efectivo começou esta semana
E a partir do dia 4 de Janeiro,Quarta-feira última, de acordo com uma fonte dos Serviços Prisionais, começou, efectivamente, o processo de libertação dos mais de 8 mil cidadãos, em todo o país, cujas penas condenatórias preenchem os requisitos previstos na Lei de Amnistia, de 23 de Dezembro, aprovada pela Assembleia Nacional e promulgada pelo Presidente da República. De acordo com a mesma fonte, o processo de libertação de prisioneiros deverá estender-se, pelo menos, até ao mês de Abril, quando estiver terminado o processo de recolha de informações e perfis dos presos e detidos a serem amnistiados em sede desta lei. Os trabalhos, que estão a ser desenvolvidos pela direcção dos Serviços Prisionais e demais órgãos da administração da Justiça, mor- mente o Ministério Público e Tribunais, não permitirá que os presos não abrangidos pela pressente lei beneficiem da mesma, garante a fonte .
SP controlam perto de 25 mil presos
Ainda de acordo com a mesma fonte, ao todo, os Serviços prisionais controlam perto de vin- te e cinco (25) mil reclusos, entre presos e detidos, distribuídos em 40 unidades penitenciárias em todo país. A província de Luanda, capital do país, elucidou, é que abarca a maior parte deste número, com um total de sete (7) mil cidadãos em situação de privação da liberdade. Mensalmente, explicou, magistrados do Ministério Público (MP) em todo o país efectuam visitas contínuas aos estabelecimentos penitenciários, no âmbito da fiscalização da prisão preventiva e o cumprimento das penas.
Esclareceu ainda que a medida é uma recomendação do Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público (CSMMP), que insta os procuradores a exigirem o cumprimento escrupuloso dos períodos de instrução processual e a prisão preventiva em instrução preparatória pelos magistrados juntos dos órgãos de investigação criminal e instrução processual, respeitando a Constituição da República, principalmente o capítulo dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
PGR estima redução da população penal em 10%
A soltura dos reclusos recente- mente amnistiados ou indultados deve reduzir, conforme expectativas da Procuradoria-Geral da República, em cerca de 10 por cento a população prisional de Angola, actualmente estimada em perto de 25 mil. A diminuição da população penal, distribuída por 40 estabelecimentos penitenciários, deverá ser acompanhada de um alívio da carga processual nos órgãos de investigação criminal e nos tribunais, com o arquivamento dos processos abrangidos pela amnistia. Sem descurar potenciais casos de reincidência, por alguns amnistiados, admite-se uma relativa redução nos gastos com os presos, que, actualmente, custam ao Estado quase USD 750 mil/dia, à razão de USD 30 por recluso, segundo estatísticas oficiais.
Incidências da população carcerária
De acordo com dados do Ministério do Interior, as 40 prisões existentes no país acusam uma super- lotação de mais de 5 mil reclusos no total. A superlotação das cadeias é imputada ao elevado número de de- tentos em prisão preventiva, que, devido à morosidade processual, atinge quase metade da população penal e, em muitos casos, fora dos prazos legais. Os crimes contra a propriedade, incluindo o roubo, o furto, a burla e o abuso de confiança, representam a maior causa de internamentos ou o maior número de reclusões com cerca de metade do total de presos em todo o país.
Seguem-se os crimes contra a pessoa, que abarcam o homicídio, a ofensa corporal ou agressão física, a violação sexual, o rapto e a ameaça, entre outros, totalizando perto de 9 mil reclusos, enquanto os restantes respondem por crimes contra a tranquilidade e ordem públicas, na classificação anterior ao actual Código Penal. A Cadeia de Viana, na capital do país, alberga o maior número de reclusos, com mais de 4 mil, também maioritariamente indiciados em processos ligados aos crimes contra a propriedade. Do total de pessoas encarcera- das no país, mais de 700 são estrangeiros, maioritariamente da República Democrática do Congo (RDC), aos quais se juntam cidadãos de outros países como a Chi- na, o Vietname, a Côte d’Ivoire, a Guiné Equatorial, a Guiné-Conakry, o Mali, a Namíbia, a Nigéria e São Tomé e Príncipe.
Segunda amnistia em seis anos
Com o novo perdão de 23 de Dezembro de 2022, Angola entrou na sua segunda amnistia geral em seis anos. A primeira foi decretada em 12 de Agosto de 2016, um ano depois da celebração do 40.º aniversário da independência nacional, para os crimes puníveis com penas de prisão de até 12 anos, cometidos desde 11 de Novembro de 1975.
“Lei não permitirá trapaças”
Convidado a comentar o assunto, o advogado Salvador Freire diz crer que apesar de a iniciativa ter gerado alguma celeuma na sociedade angolana e um clima de suspeição da parte de cépticos, que viam nela mais um sinal de recuo na cruzada contra a corrupção e a impunidade no país, ainda assim os indivíduos cujos crimes não são contemplados na Lei de Amnistia permanecerão nas cadeias. “É verdade que houve receios iniciais do risco de perdoar os delapidadores do erário, que se encontram na mira ou a contas com a Justiça, mas a nova amnistia deixa de fora a quase totalidade dos chamados crimes económicos, ou crimes de colarinho branco.
Não há porque as pessoas se preocuparem”, disse o causídico. Salvador Freire refere ainda que a versão final do documento afastou do âmbito da sua aplicação uma larga porção de tais crimes, mesmo os abrangidos pelo limite máximo de punibilidade de oito anos de prisão, com destaque para os de corrupção e peculato, em algumas modalidades. “À luz do Código Penal Angolano, os delitos de natureza económica, inseridos no capítulo dos crimes cometidos no exercício de funções públicas e com prejuízo de funções públicas, são puníveis com penas que variam entre dois e 16 anos de prisão, no seu limite máximo, mas estão todos expressamente excluídos da nova amnistia. Daí que não vejo qualquer possibilidade de vier a beneficiar os prevaricadores”, ressalta. Ademais, diz crer no sistema de justiça, que está, segundo ele, compenetrado a passar uma imagem muito positiva dos caminhos que se estar a dar, com a reforma da Justiça em Angola. “A lei não permitirá trapaças. Aliás, segundo algumas informações que possuo, está-se a fazer uma fiscalização acirrada a este processo”, concluiu.
“Todos merecemos uma segunda chance”
Por seu turno, o sociólogo José Lourenço começou por dizer que o aspecto positivo da amnistia é o perdão àquelas pessoas que em determinado momento tenham falhado, quer por questões passionais ou emocionais, ou até de formação a nível do carácter e personalidade humana. “Mas todos merecemos uma segunda chance”. Todavia, defende que o processo de reeducação dos indivíduos em conflitos com a lei no interior das unidades penitenciárias não é dos melhores, na medida em que o próprio sistema carece de mais investimentos, fundamentalmente na formação dos agentes penitenciários. Por outro lado, referiu que os estabelecimentos prisionais do país não estão dotados de meios e homens preparados para fornecer reeducação aos presos e detidos que neles se encontra.
Por isso, afirma, uma grande parte destes indivíduos não se tornam cidadãos modelos quando são colocados em liberdade. “E se fizermos uma análise geral, veremos que a maioria dos cidadãos que ali se encontram não têm uma formação académica adequada, ou até profissional, que os possa dissuadir de cometerem actos ilícitos”, afirmou, para de- pois dizer que, por esta razão, as prisões do país transformaram- se numa espécie de “academia de gladiadores”. Mas ainda assim, reitera, a sociedade não deve censurar estas pessoas, tampouco criar algum tipo de estigma ou receios, daqueles que venham a beneficiar desta medida. “Como disse antes, todos merecemos uma segunda oportunidade”, concluiu.