Depois da informação oficial divulgada, recentemente, que dá conta de que o presidente da República, João Lourenço, deixou de mediar o conflito entre a República Democrática do Congo (RDC) e o Rwanda, na sequência da sua assumpção para a presidência da união Africana (UA), especialistas consideram que tal decisão não “belisca” o título de Campeão da união Africana para a paz e Reconciliação no continente africano, que lhe foi atribuído em 2022
O Presidente da República, João Lourenço, deixou de mediar o conflito entre a República Democrática do Congo (RDC) e o Rwanda, na sequência da sua assumpção para a Presidência da União Africana (UA). A decisão saiu da cúpula conjunta dos Chefes de Estado e de Governo da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e da Comunidade da África Oriental (EAC), realizada no dia 8 de Fevereiro, em Dar es Salaam, Tanzânia, que fundiu os processos de Luanda e Nairobi, agora denominado EAC-SADC.
De salientar que a nomeação de João Lourenço como Campeão da União Africana para a Paz e Reconciliação no continente africano foi adoptada em declaração-conjunta na Cimeira sobre Terrorismo e Mudanças Inconstitucionais de Governos em África, na 16ª Sessão Extraordinária da Assembleia dos Chefes de Estado e de Governo da União Africana, realizada em Maio de 2022, em Malabo, capital da Guiné Equatorial, ocasião que instituiu, também, o 31 de Janeiro como o “Dia da Paz e Reconciliação em África”. A missão do Presidente João Lourenço, atribuída pela União Africana, é encorajar a consolidação da paz e da coesão social aos níveis nacional, regional e continental.
Retirada não “belisca” o título
A retirada do Chefe de Estado angolano desta mediação tem suscitado algumas inquietações e comentários, colocando em causa a sua designação como Campeão da União Africana para a Paz e Reconciliação no continente africano, bem como o desfecho da crise política entre a RDC e o Rwanda.
Entretanto, o especialista em Relações Internacionais, Tiago Armando, explica que o título de Campeão pela Paz não foi atribuído ao Presidente João Lourenço por mediar o conflito entre a RDC e o Rwanda, e sim pelos conflitos que estavam em curso naquela altura e pelas iniciativas que tinha desenvolvido. “Havia, por exemplo, a questão de Moçambique, depois havia a conferência de Malabo sobre terrorismo e golpes constitucionais, entre outros, e também a disponibilidade que Angola sempre manifestou na resolução de determinados conflitos, isto valeu-lhe o título.
Entretanto, com este título, ainda assim lhe foi conferido o mandato para mediar o conflito RDC/Rwanda, ou seja, o facto de sair como mediador não coloca em causa o título que lhe foi atribuído. Claro, esperava-se que o desfecho do conflito fosse melhor e mais célere, mas o conflito é tão complexo que não depende do mediador, até porque o mediador só tem a responsabilidade de trazer as partes para a mesa. Vejamos que é um conflito em que, inclusive, potências vão apelando a uma das principais partes, e essa mesma parte vai negligenciando”, disse.
Tiago Armando aponta duas razões fundamentais que estarão na base da retirada do Presidente João Lourenço na referida mediação, primeiramente, pelo facto de assumir a Presidência da União Africana, segundo, porque o Presidente do Rwanda, Paul Kagame tem estado, indirecta ou publica- mente, a acusar que a mediação de Angola tem sido parcial e que o Presidente João Lourenço tem estado inclinado para a RDC.
“Mas há também aqui uma falsa ideia, no fundo o que está por trás disso, é uma solidariedade com a RDC porque já se percebeu que uma das principais partes do problema é a República do Rwanda, que muitas vezes tem negligenciado o cumprimento daquilo que são os compromissos.
Portanto, nessa condição, quando uma das partes já coloca em causa a imagem do mediador, o recomendável é retirar do processo porque já não há condições para, do ponto de vista moral e político-diplomático, dar continuidade”, sublinhou, reforçando que essa retirada não desonra o título que foi atribuído ao Presidente João Lourenço, lembrando que o mediador não é o solucionador do problema, mas sim, procura trazer as partes à mesa de negociações, não tomando parte do problema.
Escolha obedece a requisitos
Por seu turno, Afonso Botáz, também especialista em Relações Internacionais, considera que a saída de Angola da presidência rotativa da SADC não anula o seu papel como um todo, uma vez que a escolha de um mediador obedece a requisitos importantes, no caso em concreto, a estabilidade social interna e o nível de credibilidade internacional, e aponta que Angola até o momento é dos poucos países na região austral que continua obedecendo a estes critérios e que pode continuar a contribuir de modo significativo enquanto membro ou presidente cessante.
“A catapultação do Presidente João Lourenço do bloco regional (SADC) para um bloco internacional africano, não significa perda de credibilidade ou fracasso da sua imagem, pelo contrário, uma vez que, para chegar até à Presidência da União Africana, a sua imagem foi precisamente trabalhada, e bem trabalhada no bloco regional, vulgo, SADC, acredito que se o trabalho de casa não fosse bem feito, os votos que culminariam com sua Presidência na União Africana seriam nulos”, disse.
Avançou que o título de Campeão para a Paz no Continente só foi possível porque o Presidente João Lourenço conseguiu, até certo ponto, estabelecer um diálogo entre as partes em conflito e mirar uma solução viável. “Cabe às partes, livremente, aceitarem ou não, até porque os Estados são soberanos e um dos vectores da política externa de Angola segundo a CRA, é o de respeitar a soberania dos Estados, além do uso do diálogo como o meio para pacificar conflitos. Sendo assim, o trabalho foi feito e o título não ficará anulado da história”, salientou.
Crise na RDC
Relativamente à crise na RDC, sublinhou que a mesma necessita, antes de mais, do interesse real das partes em terminar com a situação, denotando que até ao momento, apenas uma das partes é que se mostra interessada em negociar, ao passo que outra parte mostra-se céptica, alegando, porém, que tal não anula os esforços de quem tentou, por via do diálogo, levar as partes a um consenso. “Angola mais uma vez sai patenteada pelo esforço, e acima de tudo por não violar nenhum princípio internacional no âmbito da mediação”, concluiu.