O constitucionalista Albano Pedro considerou, ontem, inviável a intenção da UNITA em continuar o processo de destituição do presidente da República, na Assembleia nacional
“Não sei qual é o sentido que a UNITA dá à ideia de continuar o processo”, começou por dizer o constitucionalista Albano Pedro, acrescentando que o procedimento de destituição do Presidente da República em funções só pode ocorrer a partir da Assembleia Nacional. Segundo o constitucionalista, fora da Assembleia Nacional é quase que impossível, sublinhado que o que poderá acontecer é um pro- cesso que pode ser intentado por qualquer cidadão. Todavia, refere que este tipo de processo está sujeito a alguns condicionalismos.
“Primeiro é que o Presidente da República só pode ser responsabilizado passados cinco anos e por actos praticados fora do cargo presidencial”, esclareceu, o que, na opinião de Albano Pedro, seria difícil de escrutinar. Aliás, prossegue, as alegadas provas que a UNITA apresenta foram cometidas no exercício das competências enquanto Presidente da República. Já no que diz respeito ao “chumbo” da proposta a nível da Assembleia Nacional, Albano Pedro considerou haver alguns equívocos, sobretudo por se estar a alegar que não houve uma resolução aprovada.
Segundo o constitucionalista, está a haver uma interpretação algo tendenciosa do regimento da Assembleia Nacional, já que o regimento prevê que só se aprova uma resolução caso haja uma votação mais ou menos unânime. “Ou seja, com maioria absoluta (acima de 50 mais 1). Digo, só havendo uma maioria em relação aos deputados da UNITA que subscreveram o documento é que poderia haver uma resolução que daria lugar à criação da comissão eventual”, disse. Segundo Albano Pedro, a responsabilidade da referida comissão seria de averiguar a veracidade das provas trazidas, de modo que a AN, como um todo, assumisse a acção de acusar o Presidente da República.
Outrossim, referiu que, passado este processo, quem faz a acusação directa é a Procuradoria-Geral da República (PGR) dos actos criminais em nome da Assembleia Nacional. “É a partir daí que começaria o processo junto de dois tribunais. Ou o Tribunal Supremo, em caso de crimes, ou o Constitucional, em caso de violação da Constituição. Portanto, teríamos dois processos paralelos em marcha”, esclareceu. Quanto à acusação da UNITA de que a Assembleia Nacional terá actuado à margem do seu regimento em relação à criação da comissão eventual, Albano Pedro esclarece que, neste quesito, a AN esteve bem. “A UNITA sabe que o posicionamento da Assembleia em ir a voto para a criação da comissão eventual foi o correcto”, afirmou o constitucionalista.
Proposta “sem fundamento”
Sobre o assunto, o deputado do MPLA João “Jú” Martins sublinhou que a iniciativa de destituição do Presidente da República (PR), João Lourenço, carecia de matéria fundamental para ser levada avante pelo Parlamento. Segundo Jú Martins, o país foi posto quase em suspense nessa matéria, por mais de três meses e o Grupo Parlamentar da UNITA usou todas as artimanhas possíveis para intensificar o processo junto da sociedade civil. O deputado do MPLA acrescentou que o pórtico do Galo Negro foi gerindo este elemento para apresentá-lo em vésperas da abertura do novo Ano Parlamentar, mas estava claro que, do ponto de vista político, não teria os 147 deputados para dar seguimento ao processo.
Jú Martins lamentou o facto de a UNITA ter “inventado” a história de que haveria, eventualmente, deputados do MPLA que pode- riam alinhar-se com este tipo de manobra por si arquitectada. Para Jú Martins, os deputados da UNITA até podiam promover a iniciativa como fez a Ordem dos Advogados, intentando uma acção no Tribunal Constitucional, para verificar se há irregularidades ou violação da Lei, e não accionarem um dos mecanismos mais graves no exercício político do sistema constitucional angolano, promovendo a destituição do Presidente da República.
“Claro que o MPLA não havia de alinhar nessa manobra, com um desrespeito total pelo Regimento da Assembleia Nacional, ética par- lamentar e até pela mesa do Parlamento”, afirmou o político. Explicou que uma coisa é a acusação e outra é o início do processo, lembrando que o processo foi abordado e esgotado nos termos regimentais. Já o deputado António Paulo, também do MPLA, observou que, embora cada grupo de um 1/3 dos deputados possa sempre desencadear essa iniciativa, a mesma, tem de ser assumida pelo Plenário da Assembleia Nacional.
Abandono da sala
A UNITA abandonou a sala por alegada violação de normas regi- mentais da AN. O líder da UNITA, Adalberto Costa Júnior, criticou o facto de a plenária extraordinária de Sábado ter decorrido à porta fechada, quando a matéria abordada tem “bastante interesse” dos cidadãos. Referiu que a medida atenta contra as normas do Regimento da Assembleia Nacional e viola a Constituição. O político queixou-se do facto de o MPLA na sessão plenária extraordinária ter violado o Regimento da Assembleia Nacional para impedir que houvesse debate sobre a proposta de destituição do Presidente da República, de quem garante ter provas evidentes de envolvimento em actos de corrupção activa. Adalberto Costa Júnior disse ainda que o seu partido foi convidado a fazer uma votação sem resolução, salientando que o procedimento nunca aconteceu na Assembleia Nacional. “Essa votação do MPLA não tem valor algum. É uma ilegalidade, porque não foi antecedida de resolução alguma”, declarou o líder da UNITA.
a proposta Três meses depois de ter anunciado, em Julho, a intenção de apresentar uma iniciativa para a destituição do Presidente João Lourenço, o Grupo Parlamentar da UNITA entregou, na passada Sexta-feira, na Assembleia Nacional, o documento formalizando esta iniciativa, subscrita por 90 deputados desta formação. O texto, com cerca de 100 páginas, enumera os argumentos, referências de documentos oficiais e outros elementos de prova contra o Presidente João Lourenço, a quem a UNITA acusa, nomeadamente, de violar a Constituição, desrespeitando as regras de execução orçamental, da economia de mercado e do sistema republicano, bem como pela prática de corrupção, peculato, tráfico de influência e a repetida prática de nepotismo.
A proposta da destituição de João Lourenço contém mais de 200 articulados, mais de 200 provas documentais e 40 cidadãos como testemunhas. Ao explicitar algumas dessas acusações plasmadas na proposta do seu partido, Liberty Chiyaka, presidente do GPU, refere que “foram trazidos vários argumentos, nomeadamente, a questão da contratação pública em que o Presidente da República “transformou a contratação simplificada em regra”, em vez de ser a excepção. Segundo o Galo Negro, o Presidente “aprovou valores elevadíssimos em contratação simplificada ao invés do concurso público”. “São mais de 100 exemplos só no período de Setembro de 2022 até Agosto de 2023. Para além disso, há bens do Estado vendidos a familiares em linha colateral com o Presidente da República e temos um Diário da República que prova efectivamente isso”, sustentou.
Procedimento parlamentar
À luz do artigo 284º do Regimento Parlamentar, a iniciativa do pro- cesso de acusação e destituição do Presidente da República compete à Assembleia Nacional, sendo que a proposta de iniciativa é apresentada por um terço dos deputados em efectividade de funções. Após a recepção da proposta de iniciativa do processo de acusação e destituição do Presidente da República, o plenário da Assembleia Nacional reúne-se com urgência e cria, por maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, uma Comissão Eventual, a fim de elaborar o relatório parecer sobre a matéria, no prazo que lhe for fixado.