A crença no feiticismo tem motivado a prática de vários crimes, com destaque para os de agressão física, homicídio, profanação de cadáveres, para citar apenas estes. Este facto accionou, digamos, os alertas da Procuradoria- Geral da República que, no âmbito de mais um aniversário, introduziu reflexões dessa natureza no leque de actividades realizadas no âmbito da aludida jornada.
O procurador Rui da Luz está numa jurisdição, na do Cubal, muito propensa ao cometimento dessas acções reprovadas por lei. O magistrado explica que essas práticas estão enraizadas no costume, todavia lembra um pressuposto segundo o qual a lei só aceita práticas costumeiras que não atentem contra si e a Constituição da República.
“As nossas comunidades acreditam que existe o feitiço, mas isso leva a um desafio muito grande, em termos de direito, quanto à questão da prova”, esclarece, ao assina- lar que a PGR tem estado a encontrar sérias dificuldades na mitigação desses crimes. E avança que 10 a 15 são registados trimestralmente no município do Cubal.
“Se bem se lembram do caso do jovem que foi desenterrar um indivíduo e, depois, comeu a cabeça e tal. Podemos perceber que, tal- vez, tinha uma perturbação mental, mas, independentemente disso, por exemplo, de familiares que acusam um tio, avó de que o tem prejudicado com práticas de feitiçaria “, acentuou, em declarações à imprensa, à margem de uma palestra realizada na cidade do Lobito.
O titular da PGR no município do Cubal sustenta, no entanto, que, em muitos casos, acções dessa natureza de que fala têm redundado em situações muito graves, designadamente ofensas corporais e, na pior das hipóteses, mortes. “Isto é um aspecto. Já temos provas, a motivação é o feitiço, bateu, atentou contra a integridade física da pessoa e, pronto, resultado é morte e ofensas corporais graves, mas temos a questão fundamental, que é esta crença no feitiço”, frisou.
A esse problema junta-se, igualmente, o facto de, nas comunidades, a população acreditar mais nos sobas do que na sua instituição, daí que, em função disso, trabalham com as autoridades tradicionais, de modo a inverter o quadro de cometimento de crimes cujo mote principal seja o da crença no feiticismo, mas o magistrado manifesta-se consciente de que esta não é uma tarefa fácil.
“Procuradoria, tribunal e estas instituições do poder local param no sentido de nós encontrarmos mecanismos, soluções mais viáveis, no sentido de tentar mitigar essas questões que causam muito transtorno”, considera.
Embora não se tenha referido a números, Rui da Luz assegura que muito desses casos já foram introduzidos em juízo, por ferirem a dignidade da pessoa e, por conseguinte, violarem direitos fundamentais, porquanto “vem com uma motivação de que o A ou o B está a fazer, porque está lhe bruxar, está lhe enfeitiçar, ele não consegue adquirir coisas, não consegue ter filhos, porque o tio está a lhe bruxar.
Então vão ao kimbandeiro e este diz que o que está a fazer é o tio beltrano e cicrano”, explica o magistrado do Ministério Público, sustentando que o «diagnóstico espiritual» acima referido cria na pessoa um sentimento de ira e revolta, a ponto de lhe motivar a atentar contra a vida da pessoa de quem se diz estar por de trás de tais acções.
Entretanto, face ao aludido quadro, para além de recorrer a sobas, a PGR naquela circunscrição territorial de Benguela tem promovido junto de comunidades campanhas de sensibilização para dissuadir a prática de crimes culturalmente motivados.