Tendo em atenção o reforço da cooperação Estados Unidos /Angola, selado com um encontro entre os estadistas angolanos e norte-americano, o presidente da Câmara Americana de Comércio em Angola – AmCham – Angola, Pedro Godinho, acredita que o nosso país pode estar entre os 30 mais desenvolvidos do mundo (G30.) A sua localização estratégica e os recursos que possui concorrem para isso. Em todo o caso, lamenta que ainda existam entraves que podem condicionar a boa vontade dos estadistas. O excesso de burocracia para tirar dividendos é um dos males que aponta
Angola e Estados Unidos da América manifestaram, ao mais alto nível, o desejo de uma maior aproximação e extensão das áreas de cooperação. Isso aconteceu com a recepção, ontem, do Presidente João Lourenço pelo Presidente Joe Biden. O que espera desta cooperação?
Esta visita é, efectivamente, o ponto mais alto na cooperação. Desde que o Presidente João Lourenço as- sumiu a Presidência da República temos vindo a acompanhar uma aproximação como nunca antes houve nas relações entre os dois países. Abre-se uma nova era, uma nova fase e o encontro foi uma oportunidade durante a qual os estadistas abordaram vários assuntos que coincidem com as suas agendas. Desde que chegou ao poder, o Presidente João Lourenço tem vindo a operar algumas reformas, e essas reformas impactam no tipo de vínculo que existia entre os Estados Unidos e Angola. As reformas que tem vindo a operar no combate à corrupção, boa governação, transparência, valorização do género e respeito pelos Direitos Humanos fazem parte do doutrinário dos Estados Unidos. Havendo coincidência na forma de pensar, as partes aproximaram- se.
E do ponto de vista prático, o que vem daí?
Deixa antes dizer que fiquei feliz ao ouvir, a 25 de Junho de 2022, na Alemanha, na Cimeira do G-7, o Presidente Joe Biden dizer, perante os seus pares, que havia um pacote financeiro de 600 biliões de dólares para a África e outros países em desenvolvimento para ser investidos em cinco anos em infraestruturas e energias renováveis, e que um terço deste valor era contribuição dos Estados Unidos. Portanto, estando Angola a aproximar-se ao maior advogado do mundo, a maior potencia mundial, isso me faz feliz. Quando um país é mencionado em vários fóruns pelo Presidente da maior potência mundial quer dizer que estamos no bom caminho.
Aliás, Joe Biden disse que os Estados Unidos estão prontos para ajudar Angola a desenvolver-se. É um sinal claro de que devemos aproveitar… Claro que temos de aproveitar.
Infelizmente, há muitos angolanos que não acreditam no seu país. E terem visto o Presidente da maior potência mundial dizer que “Os angolanos devem orgulhar-se do seu país. Os Estados Unidos vão ajudar Angola a transformar-se na maior potência económica em África” é um sinal claro. Se o Presidente Joe Biden diz isso então não nos devíamos contentar a sermos apenas uma potência em África.
Devíamos sonhar mais alto? E como atingir altos níveis de desenvolvimento?
Devíamos pensar em estar na lista do G-30. Pode parecer um sonho, mas quem não sonha nunca será bem-sucedido. Portanto, esse é um dos aspectos que podíamos usar como desafio, pois para nós já não é só África. Temos sim que acreditar que podemos ser a trigésima potência económica no mundo. Para lá chegarmos, Angola tem recursos naturais, recursos humanos, por- tanto, tem tudo que um país precisa para alavancar a sua economia e estar entre as maiores. Ouvimos o pronunciamento do Presidente da maior nação do mundo dizendo que acredita em nós e estimular o orgulho nacional quer dizer que eles têm conhecimento das potencialidades de Angola. Daqui para frente precisamos definir estratégia e colocar no papel.
Temos que saber quais são as tarefas a serem realizadas para atingirmos os nossos objectivos, sendo um deles fazer parte do G-30. Acredito que teremos uma resposta. Desde já acho que temos que pensar país, desenvolver o espírito patriótico, deixar o ego pessoal de lado e pensar nação, colocar os interesses nacionais acima de tudo. O que temos visto nos últimos anos é que as pessoas alimentam o ego pessoal e colocam os seus interesses acima do país. Muitos mexem no erário público para ter mais um carro top de gama, uma vivenda em Talatona, ou um apartamento em Portugal e vende a Pátria ao desbarato, mas temos sempre que pedir a Deus para perdoá-los, pois não sabem o que fazem.
Mas uma coisa lhe posso garantir: se agirmos todos como agiram os nossos heróis libertários, que estiveram dispostos a dar o bem mais precioso pela Pátria, a vida, teríamos um país desenvolvido. Aí sim teríamos a possibilidade de comprar quantos carros quisermos, apartamentos, e outros bens, mas de forma digna. Teríamos uma economia robusta e quem se dedicasse teria oportunidade. Se pensássemos Angola de forma patriótica, ajudando a economia a crescer, hoje quem é pobre seria remediado, e o remediado seria rico. E os ricos seriam bilionários, porque o país daria essas oportunidades.
Bem, agora que fala da necessidade de se criar riqueza para os angolanos, como é que a cooperação Angola/Estados Unidos pode impactar na vida das pessoas?
Temos visto as acções dos Estados Unidos por via dos financiamentos já feitos para projectos em Angola. Continuam a injectar dinheiro na economia com financiamentos. Mas o meu maior problema está na forma como os nossos decisores pensam.
Porquê que diz isso?
É que as intenções dos Presidentes Joe Biden e João Lourenço até podem ser boas, mas se os seus principais colaboradores andarem na contramão nada avança. É que nenhum Presidente tem o domínio absoluto de tudo. Depende, em parte, do trabalho da sua equipa. Se estiverem na contramão, e se tiverem outros objectivos, natural- mente… e esse é um problema real. O Ambiente de negócios em Angola melhorou, mas está longe do ideal. Melhorou, mas não o bastante.
E quais são as razões?
Um documento qualquer que a gente queira, que é vital para o desenvolvimento do projecto, leva três a sete anos para sair. Na última semana, por exemplo, assinamos o contrato com a cadeia de Hotéis Hilton, mas trata-se de um projecto de 2005. Entretanto, provamos que apesar das pedras que nos foram colocadas no caminho que desistir não é a opção. Submetemos à ANIP – Agência Nacional para o Investimento Privado (já extinta – agora AIPEX) e foram quatro anos para que fosse aprovada tudo porque o Pedro Godinho não estava a dizer nada. Graças a intervenção do tio Mendes de Carvalho, de feliz memória, que se solidarizou, assumiu ele o processo que conseguiu tirá- lo da ANIP. O projecto está acima de 125 milhões de dólares e seguiu para o Conselho de Ministros, e lá o processo desapareceu.
E o que lhe diziam?
A ANIP dizia que está no Conselho de Ministros e o Conselho de Ministros dizia que estava na ANIP. O então Presidente José Eduardo dos Santos, depois da intervenção do tio Mendes de Carvalho, teve que assinar na cópia dando orientações precisas. E hoje o problema não é diferente. E nós testemunhamos isso. Se eu, angolano, conhecido no mercado, vivo essas dificuldades, imagine um americano que está a chegar ao país pela primeira vez? Portanto, aqui o grande problema é mesmo a mentalidade. Se não dizes nada não avanças. As pessoas também querem fazer parte, os chama- dos 10%.
Naquela base…
Exacto. A eles foi dado o poder para aprovar ou não documentos. Então o problema não está nos encontros entre Presidentes. É simbólico e revela uma cooperação ao mais alto nível, alegra-nos bastante, mas estamos a apontar o dedo aos efeitos e não às causas. Todos devemos contribuir para o desenvolvimento deste país e com a ajuda dos Estados Unidos, mas tudo passa pela mudança de mentalidade, sobretudo por parte dos homens que têm poder para tomar decisões.
A relação Angola/Estados Unidos esteve, durante algum tempo, virada para o sector petrolífero. Hoje ela já se estende para os transportes, agricultura e comunicações. Ela pode ser extensiva a outras áreas?
Os Estados Unidos não limitam a cooperação a algumas áreas. Os empresários americanos antes de investirem estudam vários factores que concorrem para isso. Um dos indicadores levado em linha de conta é a pujança económicado país, facilidades em termos de infraestruturas, facilidades para se ter acesso ao país. Para o nosso caso melhorou bastante com a liberalização do acesso a cidadãos de mais de 90 países, obtendo apenas visto de fronteira. Entretanto, um empresário que vem investir na agricultura vai precisar de terras e quando vai solicitar às autoridades municipais ou até mesmo provinciais começa a ter dificuldades.
É uma realidade do passado e do presente. Espera-se seis meses, um ano, ano e meio, e o empresário vai- se embora, pois tempo é dinheiro. E vão- se embora investir noutras geografias onde os empresários são bem tratados. E alguns vão para países não tão distantes de nós… Sim. Já registamos casos do género. Nos anos 90 , por exemplo, a em- presa norte-americana que produz a Banana Chiquita queria investir em Benguela, concretamente no vale do Cavaco. Trata-se da maior produtora do mundo. Os obstáculos foram tantos que eles preferiram investir na America Latina de onde actualmente sai a maior parte da banana consumida nos Estados Unidos. Angola poderia acessar este mercado porque até agora o kilo da banana é superior a um litro de gasolina.. Portanto, os americanos querem entrar em todos os sectores. Depende apenas da facilidade que têm para ter acesso ao mercado.
Em todo o caso, estamos perante um parceiro muito forte. É o ideal para Angola?
Como estudantes que fomos, quando somos fracos numa disciplina a primeira opção é sempre associar- mo-nos aos mais fortes. Foi o que Angola fez. É aí aonde está a inteligência da estratégia do Presidente João Lourenço. Com as dificuldades que tem Angola não se pode juntar a um país com economia medíocre. Estamos a falar dum país que é potência militar, tecnológica, económica e por aí fora. É a locomotiva do mundo. Ter um parceiro superior aos Estados Unidos seria pedir demais.
Como é que se pode tirar proveito dessa cooperação?
Fazendo trabalho de casa, identificando projectos sustentáveis. Temos é que tomar a decisão de trabalharmos juntos, capitalizar todas as oportunidades que os Estados Unidos têm para nós. Assim Angola pode avançar muito.
Olhando para a nossa base de exportação e tendo em conta que os Estados Unidos são grandes consumidores, como podemos aproveitar para alargar a nossa base de exportação?
Temos que olhar para aquilo que eles não produzem e importam em grandes quantidades para podermos tirar vantagens da cooperação. E podemos começar pelos produtos agrícolas. O Brasil tornou-se numa potência agrícola juntando-se aos Estados Unidos. Como temos terras férteis podemos começar a pensar na exportação da laranja, da banana e outras frutas. Temos é que ter discernimento. Neste momento, Angola é um mono-exportador. Não temos muitos produtos para exportar tirando o petróleo e os diamantes, mas podemos sim diversificar a nossa base de exportação. Um país que importa como nós não exportar nada. Como sabe, mais de 90% do que consumimos é importado. Já houve tempo que importamos contentores de água de mesa.
Há quem diga que Angola optou por outros mercados por causa da língua. Acha que a comunicação é um problema?
O fraco domínio da língua inglesa é de facto um problema com o qual nos debatemos. A China investiu muito no Inglês e grande parte da população fala inglês. Acredito que a maior comunidade falante do inglês está na China. Foi uma visão de longo prazo. Os empresários angolanos por não terem domínio da língua inglesa preferem ter contacto com países falantes da língua portuguesa como Portugal e Brasil, onde muitas vezes o produto é até oito vezes mais caro que na África do Sul. Mas mesmo assim os empresários preferem relacionar-se com estas latitudes que distam a mais de 8 horas de Luanda. A África do Sul fica a três horas, mas não vamos lá porque não dominamos o inglês. Esse é o nosso problema. Se começarmos a investir forte no inglês vamos chegar lá.