A Inspecção Geral da Administração do Estado (IGAE) denunciou, à Procuradoria Geral da República, a existência de quatro aeronaves adquiridas com fundos desviados do erário que se encontram na esfera de particulares
As aeronaves, designadamente duas do tipo Airbus 315, uma Airbus 350 e um Falcon, constam na lista de activos por se recuperar, no âmbito do combate ao fenómeno da corrupção e infrações conexas na Administração Pública. Segundo uma fonte de OPAÍS, o dossier relacionado a estes bens foi encaminhado, há possivelmente dois anos, ao Serviço Nacional de Recuperação de Activos (SNRA), órgão afecto à Procuradoria-Geral da República (PGR), para que sejam marcados os passos subsequentes com vista a sua apreensão e a responsabilização dos seus detentores.
Justificou que essa iniciativa resulta do facto de a PGR ser o órgão competente para desencadear acções para o apuramento e a responsabilização criminal dos gestores públicos envolvidos em acções do género. Contactado pelo jornal OPAÍS, o porta-voz da PGR, Álvaro João, disse desconhecer o dossier das aeronaves, mas não descartou a possibilidade de se encontrar sobre a mesa dos peritos do Serviço Nacional de Recuperação de Activos.
A direcção da IGAE remeteu também, ao Tribunal de Contas, vários relatórios inspectivos para a responsabilização financeira reintegratória, em sede dos quais respondem vários gestores e titulares de cargos públicos e políticos. Por outro lado, salienta, no seu relatório de contas de 2021, a que OPAÍS teve acesso, que como resultado de tais acções espera que se proceda “a recuperação de centenas de milhões de dólares norte americanos”. Além das quatro aeronaves acima mencionadas, o SNRC anunciou, neste mesmo ano, a apreensão de uma outra aeronave Beechcraft, com a chapa de matrícula D2-EDBU, da Força Aérea Nacional, que se encontrava sob tutela do banco BIC.
Em resposta, essa instituição bancária esclareceu, em comunicado de imprensa, que a referi- da aeronave estava ao seu serviço por direito, em função de um contrato vigente firmado com a Direcção da Força Aérea, celebrado em 2010. Para evitar que o avião voltas- se para a esfera do Estado antes de terminar a vigência referido contrato, o BIC enviou à direcção do SNRA toda a documentação que comprovam que não há qualquer ilegalidade ou uso abusivo ou indevido do mesmo. Em defesa do seu “bom nome e imagem”, o banco esclareceu ainda que , antes da celebração do contrato, a aeronave se encontrava inoperante no hangar da empresa Helliang, no aeroporto de Luanda, a precisar de uma grande reparação.
Razão pela qual propôs, em 2010, a sua reparação aos oficiais generais que dirigiram a Força Aérea Nacional, e estes anuíram por acharem que seria benéfico para este órgão castrense. O banco disse ter aplicado mais de um milhão e 650 mil dólares na sua reparação, custeando as despesas directamente junto das oficinas de Reparação na África do Sul. Para ser mais preciso, esclareceu que gastou num primeiro momento um milhão e 100 mil dólares com a reparação geral e 550 mil dólares com diversas manutenções. No entanto, além de voltar a ter a aeronave operante, a Força Aérea Nacional passou a receber uma renda mensal de 25 mil dó- lares pela utilização da aeronave, valor que é dedutível no investimento antecipado feito pelo banco acima mencionado.
O BIC explicou, na ocasião, que recuperou o avião com meios próprios e paga o aludido arrendamento por necessitar deste meio para atender a necessidade que tem de fazer a recolha e a reposição de valores em muitas das suas agências. “O Banco BIC dispõe de 321 agências espalhadas pelas 18 províncias de Angola e faz a recolha e a reposição de valores e diverso apoio logístico por meios aéreos e terrestres. Não há qual- quer situação de favor por par- te da Força Aérea de Angola para com o Banco BIC”, garantiu. Acrescentou de seguida que “o acordo foi transparente e os termos do contrato foram sempre cumpridos por ambas as partes”.
Recuperados seis condomínios em Talatona
A IGAE sublinha, no seu relatório acima mencionado, que com as suas acções o Estado conseguiu recuperar, em 2021, seis condomínios habitacionais em Talatona, seis Torres na Ingombota, oito edifícios, seis vivendas, lojas e escritórios no Zango V, em Luanda. Para a organização, a Administração Pública constitui a primeira fonte de corrupção no país, o que provocou “impactos financeiros brutais nas contas do Estado, impedindo que os valores correspondentes às receitas fossem canalizados para a saúde, a educação, a segurança, a justiça, as infra-estruturas rodoviárias e administrativas”.
Diz ainda que a mesma travou a modernização da própria Administração Pública, cujas consequências considera serem bem visíveis em todas as áreas da vida nacional. A IGAE esclareceu ainda que, dada a sua dimensão, a corrupção criou circuitos e comportamentos viciosos enraizados, facto que fez nascer e crescer na opinião pública a ideia de que todo o exercício de cargo público pressupõe o enriquecimento ilícito através da apropriação da coisa pública. “Esta percepção da corrupção favorece a perda de confiança nos cidadãos, provoca a erosão ou degradação na relação entre governantes e governados e fragiliza as instituições representativas dos poderes do Estado”, lê-se no documento.
Em função dos resultados alcançados com as acções inspectivas, a direcção da IGAE reconhece que os esquemas de corrupção na Administração Pública são complexos e podem envolver desde o mais alto escalão até os funcionários de base num determinado órgão.
Reforçadas acções de identificação e localização dos activos decorrentes dos actos corruptos
A IGAE garante que vai continuar a desenvolver actividades inspectivas mais eficiente e eficaz no domínio da prevenção, detecção e combate à corrupção e infracções conexas junto dos órgãos e serviços da Administração Pública, quer do ponto de vista da abordagem e recolha de evidências quer do ponto de vista da identificação e localização dos activos decorrentes dos actos corruptos. Para o efeito, salienta, procedeu à mudança do seu paradigma inspectivo, passando de Inspecção Administrativa para Inspecção Investigativa, ou seja, a auditoria de conformidade foi substituída pela auditoria de resultados.
“Por conseguinte, a IGAE teve de ajustar os seus padrões de actuação às características dos factos e matérias de interesse inspectivo subjacentes à fraude e corrupção”, diz. No entanto, reconhece que a situação actual obriga a sua equipa a fazer uma avaliação global relativa ao risco de as demonstrações financeiras poderem estar materialmente distorcidas devido à prática de fraude ou da corrupção, tanto ao nível da gestão e governação pública como um todo ou ao nível de cada asserção individualmente considerada, designadamente a dimensão da entidade, o sector de actividade a que pertence e as características deste sector.
Por outro lado, os técnicos da IGAE realizaram, no período em referência, 104 missões inspectivas a departamentos ministeriais, governos provinciais, empresas e institutos públicos. As contas e o património das missões diplomáticas, as administrações municipais e outras pessoas colectivas de direito público também foram analisadas ao pormenor por tais peritos. Quanto às práticas que desembocam em actos de corrupção, especifica que resultam de receitas não divulgadas, custos fictícios, transacções não registadas, manipulação e falsificação de registos contabilísticos, representação falsa dos dados financeiros, omissão de informações significativas de natureza orçamental, financeira e patrimonial.
Durante as actividades realizadas, os inspectores da IGAE detectaram que resultam também de pagamentos de bens e serviços não prestados, pagamentos de serviços não prestados na esfera pessoal, aceitação de subornos em troca de preços sobrefacturados, aceitação de subornos em troca de reduções fiscais, apropriação abusiva de receitas fiscais e parafiscais, utilização abusiva de receitas fiscais e parafiscais, obtenção ilícita de vantagem patrimonial, entre outras práticas indevidas contra a posição financeira da entidade.