Pressões, exigências e cedências têm sido o movimento que caracteriza a luta sindical que, diariamente, vai crescendo dada às preocupações actuais que desafiam o dia- a-dia dos trabalhadores angolanos que, por conta do encarecer dos produtos básicos, debatem- se com a queda regular do poder de compra.
O aumento dos salários, o pagamento de subsídios, a melhoria das condições de trabalho, a redução dos impostos sobre os rendimentos, o asseguramento dos cuidados de saúde, a protecção e segurança no local de trabalho e a dignificação da mão-de-obra constam das principais inquietações e objectos de luta das organizações sindicais registadas nos últimos anos um pouco por todo o país.
Em alguns casos, dada a falta de resposta do Executivo, esse movimento sindical tem encontrado, nas ruas do país, o palco de contestação, com a organização de manifestações que arrastam centenas de trabalhadores às ruas, como decorre, actualmente, com os protestos à volta do ministério das Pescas e Recursos Marinhos que, em varias circunstancias, cruzaram os braços exigindo o respeito por uma serie de direitos fundamentais.
Avanços
Entretanto, se, por um lado, há o registo destes recuos, por outro, existem, igualmente, avanços no que toca ao diálogo entre o Executivo e as diferentes organizações sindicais. Líderes sindicais, sociólogo e politólogos consideram que, apesar das dificuldades, os sindicatos angolanos têm alcançado importantes vitórias.
Entre os ganhos mais significativos aponta os aumentos salariais, como o recente acordo que elevou o salário mínimo nacional de 30.000 para 70.000 kwanzas com a perspectiva do aumento gradual para os 100. 000 daqui há dois anos. Além disso, tem havido melhorias nas condições de trabalho, sobretudo, em sectores críticos como a saúde, onde os profissionais conseguiram avanços na infra-estrutura e no fornecimento de equipamentos essenciais.
Ademais, em várias ocasiões, o Executivo angolano cedeu às pressões sindicais, embora frequentemente de forma parcial ou tardia. Um exemplo recente foi a concessão, em Abril último, de um suplemento de 30.000 kwanzas, anunciado pelo Presidente da República, João Lourenço, embora não abrangendo todos os níveis do funcionalismo público como era esperado. Mas as demandas das centrais sindicais vão além do salário mínimo.
Os sindicatos pressionam, ainda, por uma ampla gama de melhorias, incluindo investimentos nas infraestruturas, fornecimento de equipamentos e melhorias nas condições laborais, especialmente nos sectores da saúde, educação e justiça.
Além disso, frequentemente os sindicatos se posicionam contra as políticas que consideram prejudiciais aos trabalhadores, como reformas trabalhistas que possam reduzir direitos adquiridos do proletariado.
Outrossim, exigem uma maior transparência do Governo nas negociações e a participação efectiva dos trabalhadores nas decisões que afectam as suas vidas.
O agir em bloco
Foi melhor agir em bloco do que de forma isolada”, considerou o sociólogo José Lourenço, para quem, historicamente, a luta sindical no país era caracterizada por acções individuais e fragmentadas, o que tornava o movimento sindical frágil aos olhos da sociedade.
“A sociedade estava acostumada a apreciar os sindicatos a irem de forma voluntária e individual, cada um discutir as suas partes. E este era um dos aspectos frágeis do sistema de luta sindical”, afirmou, lembrando que antes das últimas eleições já havia mencionado a “falta de vontade do Executivo em resolver as demandas sindicais”.
Segundo o sociólogo, este facto levou à intensificação dos problemas enfrentados pelos sindicatos devido à ineficácia das resoluções durante o período eleitoral. No entanto, avançou, uma significativa mudança na abordagem do assunto acabou por alterar o quadro.
“Os sindicatos decidiram unir forças através da solidariedade mecânica e orgânica, e essa união permitiu um enfrentamento mais robusto contra o executivo”, disse. Todavia, salientou que, apesar da união, alguns sindicatos, como é o caso dos professores, continuaram a enfrentar dificuldades significativas.
“Porque o Governo prometeu um aumento de 25%, mas na prática, só deu 12,5%”, disse José Lourenço, exemplificando o incumprimento das promessas por parte do Executivo. O sociólogo criticou a falta de consulta das comissões sindicais aos seus filiados durante as decisões, mas reconheceu que a confiança dos filiados permitiu às centrais tomarem decisões em seu nome.
Sublinhou a importância do compromisso do Governo em integrar um membro dos sindicatos na comissão de gestão do IRT, considerando ser um avanço significativo. Outrossim, afirmou que não houve influência política nas centrais sindicais, sublinhando a independência da UNTA, que, embora nascida no seio do MPLA, alinhou-se com outras centrais na defesa dos trabalhadores.
Já Albino Pakisi enfatizou que o momento político em Angola não impede a actuação dos movimentos sindicais, conforme consagrado pela Constituição que garante um país democrático. Lembrou que o país poderia evoluir democraticamente com uma Constituição mais robusta em termos de direitos e garantias dos cidadãos.
Elogiou a performance das centrais sindicais e do Governo nas negociações, destacando a actuação de jovens líderes sindicais como Teixeira Cândido e Ademar Ginguma, assim como a prestação da ministra Teresa Dias, do secretário de Estado Pedro Filipe e de António Estote.
Quem são eles?
Entre os principais líderes sindicais em Angola estão figuras como José Laurindo, actual secretário-geral da União Nacional dos Trabalhadores Angolanos – Confederação Sindical (UN- TA-CS), Jacinto Francisco, líder da Central Geral de Sindicatos Independentes e Livres de Angola (CGSILA), e Cleofas Venâncio, presidente da Força Sindical Angolana- Central Sindical (FSA-CS).
Outros nomes importantes deste amplo movimento incluem Adriano Manuel, presidente do Sindicato dos Médicos (SIMED), Ademar Ginguma, líder do Sindicato dos Professores (SINPROF), e Teixeira Cândido, secretário- geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos e porta-voz das três centrais sindicais.
Estes líderes são conhecidos pelas suas posturas firmes e pela capacidade de mobilizar grandes contingentes de trabalhadores em defesa da sua causa. Nos últimos anos, o movimento sindical angolano organizou inúmeras greves e manifestações, sendo a mais expressiva a convocada em Setembro do ano passado, prevendo três fases, que só terminou depois de uma longa e acirrada maratona negocial entre as centrais e o Governo.
Ao longo do ano de 2023, foram registradas mais de 15 greves significativas, mormente nos sectores da saúde, educação, justiça e transportes. Estas acções foram motivadas por uma variedade de razões, incluindo aumentos salariais, melhores condições de trabalho e protestos contra políticas públicas consideradas prejudiciais aos trabalhadores.
Resultados satisfatórios
O secretário-geral da União Nacional dos Trabalhadores Angolanos (UNTA), José Laurindo, afirmou que o recente acordo entre o governo e as centrais sindicais foi alcançado de forma consensual, com ambas as partes aceitando os termos e as condições estabelecidos. José Laurindo minimizou as alegações de financiamento político das centrais sindicais, afirmando que essas informações são infundadas.
“O país é democrático e as pessoas têm o direito de expressar as suas opiniões”, destacou. Além disso, o líder sindical garantiu que a gestão da luta sindical desde Setembro do ano passado não prejudicará futuras negociações. Pelo contrário, acredita que o Governo vê agora as organizações sindicais com o respeito que elas merecem.
Na sua opinião, o movimento sindical em Angola sempre esteve activo, ressaltando a importância de uma luta conjunta e uma maior participação e união de todos os trabalhadores para promover o bem-estar colectivo. Por sua vez, o porta-voz das centrais sindicais, Teixeira Cândido, destacou a importância das conquistas obtidas nas negociações com o governo, focadas especialmente no aumento do poder de compra dos trabalhadores.
Reconheceu que os prazos dilatados para implementar os ajustes salariais podem ter causado insatisfação entre alguns trabalhadores, mas explicou que era necessário incluir essas despesas no próximo Orçamento Geral do Estado (OGE). As centrais sindicais adoptaram, segundo o sindicalista, uma abordagem gradual para os ajuste salariais.
“Por isso as empresas que pagam 70 mil kwanzas terão um ano para atingir a cifra de 100 mil kwanzas, enquanto as que pagam menos terão dois anos para fazer os ajustes necessários”, disse, considerando que o acordo visa garantir o poder de compra dos trabalhadores e proteger os empregos, evitando demissões em massa.
Além dos ajustes salariais, lembrou, o Governo prometeu reduzir o Imposto sobre o Rendimento do Trabalho (IRT) e incluir as centrais sindicais na comissão de reforma deste imposto.
Outrossim, foi ainda assegurada a presença das centrais no Conselho de Administração do Instituto de Segurança Social, com uma revisão em um ano para permitir que presidam o referido conselho. Teixeira Cândido destacou a união inédita das centrais sindicais durantes as negociações, o que mobilizou uma forte cooperação.
Elogiou a moderação e o bom senso demonstrados pelas centrais sindicais, que disse terem suportado mais de cinco meses de negociação, contra o prazo de 20 dias imposto pela lei sindical. Já Adriano Manuel, presidente do Sindicato dos Médicos de Angola, desmentiu os rumores de que a sua organização teria se desvinculado da central sindical e das negociações com o governo sobre o salário mínimo. “De maneira nenhuma. Isso nunca aconteceu.
Não houve rotura nenhuma”, disse. O médico destacou, no entanto, a complexidade da situação económica do país e a pressão enfrentada pelos trabalhadores da função pública, que, no seu entender, influenciaram a decisão de aceitar a proposta do Governo.
Aliás, disse, a decisão de aceitar o acordo proposto pelo Executivo “foi tomada após uma avaliação cuidadosa das circunstâncias, incluindo a pressão e as ameaças enfrentadas pelos trabalhadores”. Adriano Manuel foi, ainda, enfático em criticar as acções do Governo que, segundo ele, “atropelou tudo e todos, inclusive, e impediu que as acções sindicais fossem feitas nas instituições, principalmente nas de saúde, onde foram impedidos de conversar com os profissionais”.
Salientou que embora o acordo tenha sido obtido com relutância, a luta por melhores condições de trabalho e salários mais justos continua. “Concordamos com o que foi acordado. Pronto, foi o acordo possível. Muito contra a nossa vontade, mas pronto. Pois quando se vai para uma batalha, não se ganha tudo”, reconheceu.
Contexto histórico e político
O movimento sindical em Angola começou a ganhar forma durante a luta pela independência. As primeiras organizações sindicais foram influenciadas pelas ideologias marxistas e socialistas dos movimentos de libertação, sobretudo do MPLA, que tinha fortes laços com sindicatos e movimentos operários de outros países socialistas.
Após a independência em 1975, o MPLA, que assumiu o poder, consolidou a criação de sindicatos dentro de uma estrutura controlada pelo partido. A União Nacional dos Trabalhadores Angolanos (UNTA), criada em 1958, tornou-se, assim, a principal organização sindical e funcionou como uma extensão do partido dos camaradas, alinhando-se com a ideologia marxista-leninista do partido.
As principais organizações sindicais são a União Nacional dos Trabalhadores Angolanos (UNTA), fundada em 1958, e foi a principal organização sindical pós-independência e operava sob a égide do MPLA. A UNTA teve um papel central na mobilização dos trabalhadores e na defesa de suas condições laborais, embora com pouca independência do partido no poder.
Já a Central Geral dos Sindicatos Livres de Angola (CGSILA) foi fundada em 1991, após a introdução do multipartidarismo e a economia de mercado. A organização sindical surgiu como uma alternativa à UNTA, e procurava representar os trabalhadores de forma independente do MPLA. A CGSILA tornou-se, assim, um importante actor na defesa dos direitos dos trabalhadores num contexto de transição política e económica.
Houve, também, a União Geral dos Trabalhadores Angolanos (UGTA), outra organização sindical que surgiu no início da década de 1990, com a abertura política e a necessidade de novas formas de representação trabalhista. A UGTA procurava também representar os interesses dos trabalhadores de maneira mais independente em relação ao Estado e ao partido no poder.