O especialista em Direito Constitucional Albano Pedro desvalorizou a discussão em torno do futuro dos partidos políticos ante a nova divisão político-administrativa (DPA), em discussão na Assembleia Nacional, e referiu estar mais preocupado com a reestruturação do Parlamento à luz do princípio da representatividade que o mesmo órgão deve ter
Em declarações ao jornal OPAÍS, o jurista Albano Pedro, especialista em direito constitucional, referiu que os dois novos círculos eleitorais, a serem ‘paridos’ à luz da nova divisão política e administrativa (DPA), cujas discussões na Assembleia Nacional retomam no final deste mês, não trarão nenhuma mudança se não houver uma revisão pontual da Constituição (CRA).
No entender deste especialista, a maior preocupação deve prender-se com a estruturação do Parlamento à luz da representatividade que o mesmo órgão deve ter. Albano Pedro refere que o sistema parlamentar angolano apresenta dois tipos de representação, nomeadamente a nacional e a provincial.
No entanto, considera que em democracias mais consolidadas cada um destes círculos eleitorais deve constituir uma câmara parlamentar, já que, por via de regra, explica, a Assembleia Nacional é composta pelos círculos provinciais, assim como os senados. “O único exemplo diferente que podemos dar aqui é o da RDC, cujo Parlamento é composto por círculos nacionais”, disse.
O especialista defende a corrente de que o Parlamento angolano deveria estar dividido em duas câmaras, “mas optou-se por fazer as duas representações numa única câmara quando ambas podem ser separadas”. A esse respeito, salientou haver, no país, estudiosos do direito constitucional que defendem que a discussão sobre a representação parlamentar se deveu ao facto de Angola ser um país unitário e não federal (que no último caso teria duas câmaras), sendo este um argumento do qual discorda.
Aliás, explica que a República Democrática do Congo (RDC) é um Estado unitário e que, por conseguinte, é também bicamarário. “Qual é o problema em termos duas câmaras para que a representatividade parlamentar se faça melhor, e até se produza melhor democracia?”, questiona o especialista. Para este jurista, a se introduzir a discussão sobre a reestruturação do sistema parlamentar em Angola, não apenas se vai conseguir equacionar a questão do surgimento das duas novas províncias, mas também proporcionar a oportunidade de o país estar a marchar para uma democracia muito mais madura.
Unidades territoriais
Por outro lado, Albano Pedro explica que a Constituição da República de Angola (CRA) não prevê as unidades territoriais, um elemento que considera de “lacuna constitucional”. Ademais, esclarece, as unidades territoriais representam parte do território nacional e, por conseguinte, integram o sentido da soberania do Estado. Mais do que isto, acrescenta Albano Pedro, garantem a forma do Estado.
“Se dissermos que o nosso Estado é unitário, e não federal, esta unitariedade deveria estar prevista na Constituição de modo a ser salvaguardada”, defendeu. Segundo o jurista, caso esta esteja apenas em lei ordinária, qualquer outra lei pode alterar a forma do Estado e, em termos práticos, estar-se-ia diante de um Estado federal, “enquanto a Constituição o considera de Estado unitário”.
Albano Pedro esclarece, também, que “a certeza de que o Estado é unitário deve estar na Constituição, e isso só pode ocorrer se as províncias e suas unidades territoriais estiverem previstas na CRA”, defende. Outrossim, o constitucionalista considera que o processo de divisão administrativa traz consigo um novo elemento, que tem a ver com a elevação das comunas e distritos urbanos à categoria de municípios.
Para si, este critério de transformação de comunas e distritos em municípios também deve ter previsão constitucional. Isto, porque, a partir do momento em que se dá esta transformação, se deverá saber que unidades vão comportar os mesmos municípios, defende constitucionalista.
“UNITA pouco preocupada com o povo”
Aliás, em entrevista recente a este jornal, o jurista referiu que uma possível revisão constitucional requererá o voto favorável do maior partido na oposição, a UNITA. Todavia, mostrou-se céptico quanto aos reais propósitos deste partido político, que disse não entender as suas reais prioridades.
“Eu não sei quais são as prioridades da UNITA e já fico sem saber se está a lutar pelo povo ou somente para os seus militantes”, disse Albano Pedro, em reacção aos actos da UNITA em torno desta questão. Albano Pedro considera haver muitas opções políticas que deveriam ser tomadas pelo partido do Galo Negro, e que constituem um ganho para o povo, mas que não são tomadas. “Mas aquelas questões que são prioridades para os seus deputados, como é discutir dinheiro, a UNITA está sempre a fazer”, disse.
DPA terá impacto directo nos partidos políticos
Já o especialista em Ciência Política e Relações Internacionais Sérgio Dundão entende que, a partir do momento em que o Poder Legislativo cria círculos eleitorais, impacta automaticamente os partidos políticos que têm que se reorganizar, já que estão obrigados, por lei, a concorrer em todos os círculos. Os partidos políticos, continua, estão obrigados, por lei, a apresentarem candidaturas nestes novos círculos, mas não a ter secretários provinciais.
Segundo o especialista, este facto subentende que, para terem maior elegibilidade nestes novos territórios, os mesmos partidos devem ter representação nestes locais. Outrossim, explica, os partidos são ainda obrigados a terem pouco mais de quinhentas assinaturas nestas novas províncias, para serem aprovadas. “Isto é que resulta da própria lei. Já a forma como os partidos vão organizar-se, se vão ter secretários ou não, a lei é omissa”, afirma, esclarecendo que caberá a cada partido político, tendo em conta a sua capacidade de eleger e garantir representatividade nestes locais