Com a entrada em funcionamento dos juízes de garantias passa- dos três meses, a Procuradoria-geral da República deixou de ser “árbitro e jogador” ao mesmo tempo, consideram operadores do Direito em Benguela, quando chamados a proceder a um balanço sobre a entrada em funcionamento daqueles magistrados judiciais por imperativo constitucional
Operadores de direito afirmam que a entrada em funcionamento dos juízes de garantias constitui um ganho e avanço no Estado Democrático e de Direito em Angola, por ter permitido operar vá- rias mudanças no sistema penal. Como início de conversa, os entrevistados deste jornal – entre advogados, juiz e procurador – sinalizam, neste particular, o fac- to de a medida de coação pessoal prisão preventiva ter deixado de ser regra. Mas, apesar dessas mudanças operadas, há quem, entre eles, defenda que, na próxima revisão do Código de Processo Penal, se retire ao procurador competências de emitir mando de de- tenção.
A julgar pelo facto de os direitos e liberdades fundamentais serem inalienáveis e imprescritíveis, os profissionais do Direito em Benguela entendem que a emissão de mandados de detenção devia ser de competência exclusiva de um juiz, sendo uma medida de privação da liberdade, embora precária. O advogado José Faria sustenta que o procurador, como parte desinteressada do processo, não podia continuar a ser “jogador e árbitro” ao mesmo tempo.
“Hoje, nós assistimos mais privilégios às medidas de liberdade em relação às medidas de privação. Ou seja, para o Ministério Público, que era parte desinteressada no processo, a prisão preventiva era quase regra. Com a entrada dos juízes de garantias, a prisão preventiva tem sido excepção. Hoje, aplica-se, excepcionalmente, naqueles crimes graves e naquelas circunstâncias em que a lei prevê (há perigo de fuga, de continuidade da actividade criminosa, há perigo de destruição de provas, por exemplo”, elenca.
O causídico, que falava em exclusivo a O PAÍS, diz que o mesmo se dá em relação ao património. Segundo disse, não caberia mais ao Ministério Público a competência para emitir mandado de apreensão de determinados bens, bem como de documentos. “Esses mandados de apreensão o Ministério Público ainda emite, embora sem prejuízo da fiscalização do juiz de garantias”, argumenta.
Antes de os juízes de garantias terem entrado em funções, a Pro- curadoria-Geral da República era sistematicamente acusada, por alguns advogados, de “prender para depois investigar”, uma crítica vezes sem conta rebatida pela visada. Os operadores de justiça são de opinião que cai, assim sendo, por terra aquilo a que chamam de “abuso” e que até mesmo juízes, em sede de julgamento, puxavam – volta-e-meia – às orelhas a magistrados, por alegada falta de provas em alguns processos, sugerindo, desta feita, má- instrução.
Garante de celeridade em salas de crimes Abordado por este jornal, à saída de uma audiência com o delega- do do Ministério do Interior, o juiz presidente da Comarca de Benguela, António Santana, não tem dúvidas de que os juízes de garantias vieram conferir uma “lufada de ar fresco” à componente do respeito aos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos.
“Deixa-me dizer, o arguido, apesar de ter enveredado à criminalidade, é, acima de tudo, um cidadão e tem os seus direi- tos respeitados e protegidos na Constituição “, sustenta o ma- gistrado judicial, tendo realçado que, trezes anos depois da entra- da em vigor da Constituição da República, em que prevê a figura do juiz de garantias, o Estado cumpre um imperativo que confere mais celeridade ao processo penal, na perspectiva de colocar o cidadão no centro de todas as atenções.
“Ainda é um bebê (referindo- se à entrada dos juízes) e vamos trabalhar. Temos ainda muito por fazer pela frente. Temos encontrado alguns escolhos nesta empreitada. Temos mais celeridade. Se for à sala dos crimes, há- de constatar isto mesmo”, apontou. Sobre este assunto já se tinha pronunciado a PGR.
Entretanto, embora assinalasse também ganhos, a Procuradoria-Geral da República adverte que os juízes de Garantias não vieram com nenhuma “varinha mágica” capaz de solucionar todos os problemas da justiça.A procuradora-geral da República junto do Tribunal da Comarca do Lobito, Núria Viegas, salientou, recentemente, em declarações à imprensa, como tinha noticiado este jornal, que não comungava com a ideia de que os juízes de garantias desproviram a PGR de poderes, até porque ainda continua a ser o promotor da acção penal. Nesta perspectiva, o jurista Chipilica Eduardo salienta que o cidadão precisava de ter um juiz imparcial que aferisse a legalidade da sua privação de liberdade.
Do ponto de vista prático, para si, ainda é prematuro fazer uma avaliação – quer positiva, quer negativa. O também docente universitário refere que nem tudo é um “mar de rosas”, havendo, de resto, já muitos recursos a questionar as decisões dos juízes de garantias. E à medida que o processo caminha, disse o causídico, vai também cometendo alguns erros.
“Mas a ideia é deslocar Ministério Público para o juiz de garantias. Na verdade, mudou um pouco, porque o Ministério Público hoje tem que requerer ao juiz de garantias a privação de liberdade e o arguido tem como defender-se do Ministério Público, com base no princípio do contraditório, e das decisões do juiz de garantias, há o recurso. Nesse aspecto há alguma melhoria, agora o exercício como tal ainda é um processo”, considera.
POR: Constantino Eduardo, em Benguela