Dois dos três declarantes ouvidos ontem, no Tribunal Supremo, no julgamento que envolve o antigo embaixador de Angola na República da Etiópia Arcanjo do Nascimento, declararam “ter havido má-fé” por parte da empresa etíope ARJ Constructions, contratada pelo Estado angolano para a construção de três edifícios da sua missão diplomática naquele país
O julgamento do então embaixador de Angola na República da Etiópia, Arcanjo Maria do Nascimento, registado sob o número de pro- cesso 18/20, retomou, ontem, depois de ter sido interrompido pelas férias judiciais. Na sessão desta segunda-feira, foram ouvidos os declarantes Nardos Haddis Guebreyesus, por videoconferência, o então secretário-geral do MIREX e actual embaixador de Angola nos EUA, Agostinho Van-Dúnem, e o engenheiro civil Jorge Rufino.
A primeira, cidadã de nacionalidade indiana, é amiga de longa data do arguido e proprietária da empresa NIBBRAS Prestação de Serviços, a quem o então embaixador havia contactado para adquirir, por via da sua empresa, os materiais de construção, a partir do Dubai, para a construção dos edifícios da Embaixada. Ao tribunal a declarante disse ter-se limitado a adquirir o material de construção tal como havia sido contactada, e que nunca recebeu qualquer pagamento extra.
Segundo a empresária, os 200 milhões de kwanzas que recebeu do embaixador foram referentes a um empréstimo que esta havia concedido ao então diplomata, no âmbito da sua amizade. Por seu turno, o declarante Agostinho Van-Dúnem declarou que, à data dos factos, era o secretário-geral do MIREX, sendo nesta condição que tomou contacto com o caso.
Disse que, por esta altura, recebeu do então ministro das Relações Exteriores Manuel Augusto um ofício da inspecção do MIREX, dando nota de que havia uma denúncia da empresa ARJ Constructions alegando irregularidades da parte da Embaixada de Angola em Adis Abeba sobre os pagamentos da empreitada.
Seguiu dizendo que enviou, depois, o mesmo ofício ao embaixador Arcanjo do Nascimento pedindo esclarecimentos sobre as alegadas denúncias. Agostinho Van-Dúnem declarou que soube, depois, que o embaixador Arcanjo, arguido nos presentes autos, escrevera para a Presidência da República, reportando alegado incumprimento da empreiteira às obras a si consignadas, mas também uma certa interferência do MIREX à sua gestão. Segundo o então secretário-geral do MIREX, Arcanjo do Nascimento havia reportado ao Presidente da República que a empresa ARJ Constructions estava a ser instruída pela direcção do Ministério para não manter contacto com a Embaixada em Adis Abeba. Posteriormente, disse, o Presidente da República orientou que o Ministério se pronunciasse sobre o caso.
Ademais, explicou o declarante, os ofícios que o embaixador Arcanjo do Nascimento escrevia eram enviados ao inspector-geral do MIREX, Limas Viegas, em cópia, sendo a partir deste momento que a empreiteira foi orientadora a paralisar os trabalhos e contacto com Embaixada. Questionado, explicou que o inspector concluiu que havia irregularidades no manuseamento das verbas cabimentadas, tendo orientado que o caso fosse transferido para a IGAE. Agostinho Van-Dúnem revelou que toda a documentação e relatórios produzidos foram depois entregues à Direcção de Combate à Corrupção da PGR. Em declarações ao tribunal, disse que, segundo sabe, o Estado angolano não tinha dificuldades financeiras, e que o valor global da empreitada tinha sido cabimentado e estava nas contas da embaixada.
Disse não ter em mente o valor do ‘down payment’ com a empreiteira, mas garantiu que foi feito um pagamento inicial e que a direcção do património do MINFIN tem estes registos. Questionado se conhecia o valor total do contrato, respondeu que rondava entre 23 e 24 milhões USD, destinados à construção da chancelaria, da residência oficial do embaixador e da casa protocolar. Por isso, disse não entender por que razão as obras não andavam, concluindo que irregularidades estavam da parte da empreiteira.
Defesa
A instância da defesa, pergunta- do se chegou a estar na Etiópia por causa do litígio, em concreto disse que não. Foi ainda questionado sobre as suas afirmações que diziam que foram feitos pagamentos à empresa construtora e depois repassado ao embaixador Arcanjo, tendo esclarecido que teve contacto com tal informação no relatório produzido pelo inspector do Ministério e com os borderoux que estava acompanhado com o denunciante. No entanto, disse não confirmar se a conta era do embaixador, lembrando-se apenas que os borderoux eram do banco BIC. Em todo o caso, disse que não podia precisar os termos de pagamento, mas acredita que as irregularidades estavam do lado da empreiteira.
Engenheiro atribui culpas à empreiteira
Por sua vez, o engenheiro civil Jorge Rufino, membro da comissão da interministerial que havia sido enviada à Addis Abeba para avaliar as condições e realizar o concurso público para consignação da obra, também atribui culpas à empreiteira ARJ Constructions. O engenheiro disse desconhecer o descaminho de verbas por parte do arguido, garantindo que, para além dos 5 milhões do valor inicial das obras, a empresa etíope recebeu, no total, cerca de 14 milhões de dólares.
Segundo o engenheiro, o terreno que a Embaixada adquiriu para a construção dos três edifícios apresentaram problemas de deslizamento, daí que a Embaixada havia solicitado, na altura, um estudo geológico e técnico, o que foi feito pela empresa Eexergias, fiscalizadora da obra. Para todos os efeitos, segundo o engenheiro, da experiência que tem em matéria de construção civil e contratos de construção, o empreiteiro teria agido de má-fé. O julgamento segue, hoje, com a audição de mais três declarantes.