CasoTentativa de Terrorismo: Tribunal desvaloriza presença do presidente da UNITA por não trazer nenhum valor acrescido ao processo

O porta-voz do julgamento, juiz Evaristo Samala, entende que a presença de Adalberto Costa Júnior, presidente da UNITA, citado pelo cabecilha do grupo de supostos terroristas, João Gabriel, em sede de julgamento no âmbito do processo comum número 109/2025, como sendo o mandante da alegada subversão, não é necessária, porquanto «não traz nenhum valor acrescentado ao processo», nem determina o curso do mesmo. Apesar de o julgamento visar a descoberta da verdade material, o responsável refere que esse facto não determina, por si só, directamente um juízo

O porta-voz salienta que, por aquilo que é a natureza dos processos, o facto de o réu ter citado nomes conhecidos da praça política, como são os casos de altos dirigentes da UNITA, não determina directamente o juízo se é que vem ou não à audiência.

Segundo o porta-voz, se tal não for requerido, não haverá nenhuma necessidade de o presidente da UNITA, Adalberto Costa Júnior, e o líder da bancada parlamentar, Liberty Chiaka, se fazerem presentes na futura Cadeia dos Menores, ao Kambiote (Huambo), onde decorre o julgamento.

“Aliás, mesmo que viessem, não trariam nenhum valor acrescido ao processo, até atrasaria ainda mais o andamento do processo”, considera.

Frisou que as acusações do réu constituem, em rigor, elemento de defesa que o réu João Gabriel decidiu trazer. Logo, cabe, também, ao Ministério Público valorar ou não o que foi dito, enquanto fiscal da legalidade.

“Se entender que as pessoas citadas têm algum grau de responsabilidade, enquanto titular da acção penal, poderá promover que sejam, então, responsabilizados pelos factos que lhes estão a ser imputados”, disse, ao sustentar que à sua instância judicial cabe somente se ater aos factos constantes na acusação.

“Fora destes, o tribunal, neste processo, não poderá conhecer”, esclarece o juiz Evaristo Samala. O porta-voz disse, no segundo dia de julgamento, que cabia, agora, aos juízes, depois de terem recolhido essa prova, submeter ao crivo e, por conseguinte, proferir uma decisão.

Lembra que, em processo penal, existe aquilo a que se chama de princípio da verdade material, de acordo com o qual, mesmo que o arguido confesse, não basta que seja por isso condenado.

“Apesar das declarações que nós ouvimos, vamos esperar que os juízes levem em consideração, para que se determine, o que ouvimos, a absolvição ou condenação dos arguidos”, refere.

Jurista adverte para falta de elementos

Para o jurista Daniel Lucondo, a audiência de quarta, diferente de outras, pareceu-lhe mais jurídica. Ele argumenta que, nas sessões passadas, ele ficou com a impressão de que se estaria diante de um julgamento mais político do que outra coisa, ao sustentar com o facto de, volta-e-meia, citar-se figuras políticas.

Diz haver elementos de provas suficientes, no que se refere ao financiamento como tal, para sustentar o crime de terrorismo.

“Honestamente, quando falamos de financiamento, não estamos a falar de três milhões de kwanzas mensalmente. Tinha que haver um valor galopante e também não estamos a falar de uma pessoa que nunca foi tropa”, salienta.

De acordo com o jurista, que falava a este jornal à margem do julgamento, na quarta-feira, 12, se o tribunal entende que não é necessária a presença de Adalberto Costa Júnior nas sessões, na perspectiva de esclarecer as acusações feitas pelos réus, então, em tese, deve ser desmontada a ideia de cometimento de terrorismo imputado aos réus, porquanto esse tipo legal de crime tem pressupostos apropriados, citando, a título de exemplo, capacidades material e financeira e idoneidade do cidadão.

O jurista reforça, porém, caso se prove que o presidente da UNITA, Adalberto Costa Júnior, e Liberty Chiaka, líder da bancada parlamentar, financiaram e que tiveram encontros com João Gabriel, eles vão ter de ser chamados.

Entretanto, se tudo não passar de especulação, então “ pensamos que não há capacidade suficiente para Deucinho (João Gabriel) ser acusado neste crime. Vamos aguardar que, naturalmente, o tribunal faça o seu trabalho”, sugere.

ACJ fala hoje sobre o caso

Entretanto, questionado, em Benguela, no seguimento de uma visita que efectua, sobre o que tinha a dizer em relação ao que ocorre no Huambo, província que acolhe o julgamento, o presidente da UNITA, Adalberto Costa Júnior, falou em instrumentalização da justiça.

O político disse que tal não vai dar em nada, tendo prometido um pronunciamento mais alargado nesta quinta-feira.

Suposto falsificador diz-se traído por aquele que trata de ‘pai’

O destaque da audição nessa quartafeira, 12, foi para o único cidadão Pedro João da Cunha, funcionário da Loja de Registo no município da Ecunha, sobre quem recaem suspeitas de ter cometido o crime de falsificação de documentos para, alegadamente, facilitar a fuga de João Gabriel.

Assim, o Ministério Público acusa o arguido de ter emitido assento e certidão de nascimento em nome de «Doutor Gabriel Cessino», de modo a permitir que o co-arguido João Gabriel se evadisse do país, depois de as autoridades terem tomado ciência do plano subversivo levado a cabo por ele, que, de entre outros, se resumia na detonação do Palácio Presidencial, a refinaria de Luanda, central hidroeléctrica do Belém, SIC, estes dois últimos objectivos na província do Huambo.

Pedro Ecunha explicou, em sede de instância judicial, ter sido contactado pelo co-arguido Crecenciano Capamba para a emissão de cédula e assento de nascimento a favor de um sobrinho deste para se habilitar a uma vaga em uma empresa de segurança.

Desta feita, impôs ao solicitante que lhe fornecesse os documentos do cidadão da pessoa para quem seriam emitidos os documentos, mas este disselhe que aquele estava indisponível.

Declarou que «arrisquei e confiei em demasia no meu amigo», manifestando desconhecimento do fim último dos documentos por si emitidos.

Questionado pela instância judicial por que razão é que tinha emitido um documento fora do formalismo, respondeu, pois, que tal se deveu, fundamentalmente, ao grau de confiança que nutria por Crecenciano Capamba, amigo de longa data.

Aliás, não fosse aquele o seu pai por afinidade, porque o arguido em causa tinha atribuído o seu nome ao filho. A dado momento, para descoberta da verdade material, o primeiro assessor, o juiz Sebastião Sambuta Nanga, solicitou ao Juiz-presidente da causa, Cipriano Catito Tchivinda, acareação entre os arguidos, desta feita, Crecenciano Capamba e Pedro João Cunha, este último acusado de falsificação, tendo este deferido o pedido.

Neste ínterim, confrontado com as declarações de Pedro Cunha, o co-arguido Crecenciano Capamba disse que, em nenhum momento, aquele oficial de justiça tinha sugerido a presença da pessoa para quem os documentos seriam emitidos.

Caso tal ocorresse, em nada lhe custaria voltar a exigir ao seu irmão, João Gabriel, considerado cabecilha do grupo, a presença de tal sobrinho. “Ele não pediu a presença da pessoa.

Eu não teria problemas em exigir o mesmo ao sr. João”, garantiu. “Eu falei contigo, Crecenciano, e tu disseste que ele estava indisponível” – retorquiu – “Não faça isso comigo, eu tenho família”, implorou aos choros, na presença de familiares e de mais individualidades que têm vindo a acompanhar as sessões de julgamento do mediático caso.

Entretanto, Crecenciano Capamba não se demoveu da ideia ante os choros daquele a quem chama de filho. Reafirmou que ele não tinha feito nenhuma exigência, a fim de que se cumprisse o formalismo processual, conforme questão colocada pelo juiz.

“Como é que vamos provar às pessoas que estão aqui a assistir e que, depois, vão transmitir às outras pessoas, que não somos nós (juízes) os palhaços, mas vós”, insistiu na tese o magistrado judicial, face às informações que têm sido veiculadas por alguns órgãos de comunicação social de acordo com as quais se estaria a assistir «a uma palhaçada judicial».

Na quarta-feira, em tese, Pedro Cunha disse estar completamente arrependido, pois se soubesse que aquela acção lhe colocaria, pela primeira vez na vida, a sentar no banco dos réus, jamais a teria praticado.

O juiz-presidente lembrou ao interrogado que, nas audições passadas, diante de um juiz de garantias e procurador, ele tinha afirmado que recebeu o bilhete de identidade para a emissão de identidade e por que razão é que, em sede de julgamento, se tinha contrariado.

Ele referiu que o fez por ter recebido muita pressão, uma vez que, na fase embrionária do processo, se lhes estavam a imputar crimes os quais ele considera serem «muito pesados» e gravíssimos.

Para além de – acrescentou – ter decorrido muito tempo desde a data em que lavrou os documentos em casa. A dado momento, o advogado de defesa, Afonso do Nascimento, viu «tortura psicológica», o que, na óptica do causídico, o primeiro assessor estaria a submeter o seu constituinte e protestou, tendo o juiz-presidente não achado ser grave e ordenado que se prosseguisse com o interrogatório.

Em declarações à imprensa, no final da sessão, o advogado lembra que a lei consagra um conjunto de prerrogativas para os arguidos, porém, em muitos casos, tem havido violações dessas garantias. «Houve aqui alguma violação, relativamente ao tratamento que deve ser dado ao arguido”, vincou o causídico.

Mas, antes, o representante do Ministério Público procurou saber do arguido se era comum a registar um cidadão com o nome de «Doutor», disse não ser, mas deixou claro que tal não feria os bons costumes, ao abrigo do que preceitua o Código de Registo Predial.

Terminado o interrogatório ao primeiro arguido do terceiro dia, o juiz-presidente ordenou que Adelino Bacia, de 39 anos, efectivo da Polícia Nacional há 16 anos, também arguido, se fizesse à sala para o mesmo efeito.

Depois das perguntas da praxis a que os réus são obrigados a responder, nos termos da lei, sob pena de incorrer em crime, era-lhe colocada uma bateria de questões, sempre com o fim último da busca da verdade material.

Começou por dizer que desconhecia qualquer plano de subversão e político de autoria de João, confirmou ter ido à capital do país com alguns dos co-arguidos, mas esclareceu que o propósito dele, ao ir a Luanda, foi para procurar peças de reposição para a sua viatura.

Reconhece ter andado, sim, com os arguidos por um dos pontos-alvos que seriam detonados, no âmbito do plano subversivo.

Porém, quando perguntou o que estariam a fazer nas imediações da Refinaria de Luanda, foi informado de que se procurava pela casa de um familiar de João Gabriel, no caso, uma tia.

Não tinha noção de que, no interior do carro que os tirou do Huambo a Luanda, havia granadas com as quais se destruiria a refinaria ora visitada.

Contrariedade entre réus

Neste âmbito, confrontado com as declarações de Bacia, em sede de acareação solicitada pelo Ministério Público, João Gabriel disse que o co-arguido é muito seu amigo e acusou-o de estar ao corrente do projecto político que ele tinha em carteira, bem como do plano subversivo que ele pretendia levar a cabo, ao desafiar, por isso, o amigo a ter coragem de afirmar que dominava.

Com efeito – sustentou – ele nunca esteve de acordo com o «plano subversivo», de tal sorte que, quando da viagem a Luanda, João Gabriel tenha decidido mantê-lo distante das informações inerentes às detonações.

Admitiu, porém, que Bacia não sabia do real motivo da viagem a Luanda: «ele foi para aquisição de acessórios de automóvel. Esta é a única verdade», deu nota à instância judicial.

O augusto tribunal quis, no entanto, saber por que Adelino Bacia, na qualidade de agente da ordem, não denunciou o caso, tendo ele respondido que «ele apenas me falava de que, bem ou mal, seria Presidente da República. Não denunciei por serem diálogos. Entendi que eram sonhos.

Não vi bases para realizar uma denúncia”, pontualizou, ao dar nota de que João Gabriel a manter contacto telefónico com Liberty Chiaka, a quem o co-arguido, conforme explicou, «chama de Pai Liberty».

A sessão de quarta-feira, 12, prosseguiu com o interrogatório a Francisco Ngunga Nnguli, mototaxista, de 32 anos de idade, bem como a três testemunhas. Hoje, quinta-feira, 13, vão ser ouvidas seis outras testemunhas.

 

 

Por: Constantino Eduardo, enviado ao Huambo

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