A câmara criminal do Tribunal Supremo deu início, ontem, do julgamento do ex-embaixador de Angola na República Federativa Democrática da Etiópia, Arcanjo Maria do Nascimento, acusado de crime de peculato por alegada “subtracção indevida de cinco milhões de dólares norte-americanos” durante o seu consulado
Arcanjo Maria do Nascimento, diplomata de carreira, é acusado de se ter apropriado, para benefício próprio, de mais de cinco milhões de dólares, de um total de 24,6 milhões USD, disponibilizados pelo Ministério das Finanças, em 2014, para a construção de três edifícios da Embaixada de Angola em Addis Abeba, capital da Etíope.
De acordo com a acusação, com os valores o arguido teria recebido e adquirido terrenos e contratado empresas de construção para as obras dos edifícios, aproveitando esses momentos para realizar operações indevidas.
No texto da acusação, lido pelo procurador Manuel Dias, refere-se que, em Novembro de 2014, o então embaixador teria transferido para a conta de uma empresa no Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, mais de cinco milhões de dólares, valor esse que se destinava à compra de materiais de construção.
Porque as obras não foram iniciadas na data prevista, por razões administrativas, o embaixador Arcanjo do Nascimento solicitou à empresa o retorno do pagamento com a promessa de o devolver depois.
A pedido do arguido, a referida empresa transferiu os valores à sua representante em Angola e esta, por sua vez, efectuou a transferência para a conta pessoal do exembaixador domiciliada no Banco Comercial Angolano (BCA).
O Ministério Público refere ainda que o embaixador não mais devolveu o valor para as contas da Embaixada de Angola na Etiópia e que se a apropriou do dinheiro em prejuízo do Estado, pois que as obras dos três edifícios, na capital etíope, não foram concluídas até à presente data.
A razão, esclarece a acusação, tem a ver com o facto de o então embaixador, arguido neste processo, ter dado destino incerto aos mais de cinco milhões de dólares que retirou dos valores da empresa encarregada das obras.
A acusação refere, por outro lado, que do montante total disponibilizado pelo Governo angolano o embaixador apenas terá pagado à empresa AJ-Construção a quantia de 9,8 milhões USD, ficando por pagar os cinco milhões alegadamente transferidos para a sua conta pessoal.
A acusação assegura ainda que, após contratar as empresas para a construção e fornecimento de materiais, as contas bancárias do embaixador passaram a ter movimentações avultadas em dólares.
Defesa nega existência do crime de peculato
Em nota de contestação, o advogado Benja Satula alegou não ser verdade que o seu constituinte se tenha apropriado dos valores de que é acusado e assegurou que este não autorizou em nenhum momento a transferência dos valores para a sua conta pessoal.
Segundo o causídico, não foi o arguido quem seleccionou as empreiteiras, tampouco as empresas fiscalizadoras das obras, tendo sido feito por meio de um concurso público levado a cabo pelos Ministério da Construção e Obras Públicas, das Finanças e pelo Ministério das Relações Exteriores.
Benja Satula contestou ainda a acusação referente aos valores supostamente desviados pelo arguido, referindo que o valor do down payment era de 4 milhões e 200 USD, e não de cinco milhões como refere a acusação, correspondente a 30% da empreitada.
Disse ainda não constituir verdade que o arguido teria solicitado o retorno dos valores em causa, muito menos consta dos autos que o arguido tivesse dado ordem para que os referidos valores fossem transferidos na sua conta pessoal.
Afirmou, sim, ter existido um acordo de empréstimo, a título pessoal, entre o diplomata e a proprietária da referida empresa, declarante nos presentes autos.
Segundo o advogado, as transferências feitas por esta empresa a favor do arguido aconteceram na base de uma relação particular, e que, por conseguinte, nada têm a ver com o valor da empreitada e com o valor do down payment conforme acusação.