Entre avanços e recuos, os angolanos celebram, hoje, os seus 21 anos de paz efectiva com vários desafios económicos, políticos e sociais e com a aposta na construção de várias infra-estruturas que vêm contribuindo para que Angola esteja alinhada aos carris do desenvolvimento
Num dia como hoje, em 2002, os angolanos assinavam os acordos de paz definitivos, depois de um período de quase trinta anos de guerra civil que dilacerou o país com prejuízos humanos e materiais irreversíveis. Naquele dia, as forças militares da UNITA e as Forças Armadas Angola- nas, na figura de Abreu Kamorteiro e Armando da Cruz Neto, assinavam o mais importante acordo que pôs fim ao longo e tenso período de guerra que terá produzido mais de 500 mil deslocados, deficientes e milhares de mortes.
Não ficaram, igualmente, de fora da fúria da guerra as pontes, estradas, hospitais e escolas que foram destruí- das no calor da tensa guerra que opunha as forças militares da UNITA e as Forças Armadas Angolanas. A assinatura dos acordos só foi possível na sequência da morte, em com- bate, do líder da UNITA, Jonas Savimbi, o principal promotor da guerra, mesmo depois de se ter realizado as primeiras eleições em 1992, em que sai derrotado e este não aceita os resultados da vontade popular.
Antes da sua morte, Savimbi chegou a assinar, com as forças de defesa, vários acordos para pôr fim a guerra, mas, entretanto, descumpriu todos, designadamente Bicesse (1992) e o protocolo de Lusaka (1994). O dilacerar da guerra, em 1992, foi dos exemplos mais acabados. Naquele ano, Angola realizava as suas primeiras eleições legislativas, numa transição do sistema de partido único para o multipartidarismo.
Ao ver-se derrotado pelo seu rival político, MPLA, a UNITA, com Jonas Savimbi à testa, rejeitou os resultados o que veio a mergulhar o país numa crise político-militar com o reforço da destruição de vidas e bens públicos. Daí em diante, todos os acordos de paz foram fracassados até que, em 2002, foi assinado o acordo definitivo que garantiu ao país a paz efectiva com a reabertura para o desenvolvimento.
A fazer um caminho juntos para consolidarmos a democracia”, apelou. O prelado apontou ainda a necessidade de a igreja ajudar o Estado neste processo de reconciliação nacional, dado o papel que as instituições religiosas desempenham na formação do novo homem.
Abraçar, perdoar e desenvolver
Apesar dos avanços e recuos, o calar das armas em Angola é de facto uma certeza, a julgar pelo facto de o país, ao longo destes 21 anos, nunca ter registado situações que pusessem em risco o bem paz.
Com o então Presidente da República, José Eduardo dos Santos, e na sequência com João Lourenço, o país tem vindo a conhecer a construção de infra-estruturas nos mais variados domínios, a livre circulação de pessoas e bens e ainda a contínua caça ao investimento privado.
Ao longo dos 21 anos de paz, Angola vem também consolidando o seu processo de reconciliação e de democracia. Desde este período, o país realizou quatro pleitos eleitorais, 2008, 2012, 2017 e 2022, sendo que todos foram ganhos pelo partido MPLA. Diferente dos outros países de África, o país não registou quaisquer incidentes ou crise pós-eleitoral de grande escala, o que assegura a credibilidade dos processos apesar de, internamente, algum segmento da sociedade civil e parte da oposição, com a UNITA à testa, reclamarem, constantemente, os processos eleitorais.
Perdão
Também, nestes 21 anos de Paz, os angolanos juntaram-se para honrar a memória de todos que foram vítimas de conflitos políticos que dilacerou o país de 1975 a 2002, com a criação da primeira Comissão para a Implementação do Plano de Reconciliação em Memória às Vítimas dos Conflitos Políticos (CIVICOP). Entretanto, políticos, nacionalistas, activistas cívicos e religiosos dizem que, apesar de todos os desafios, Angola tem vindo a fazer um caminho positivo na consolidação e reconciliação dos seus filhos.
A igreja, na voz do padre Queirós Figueira, da diocese de Viana, entende que, apesar de não se poder conciliar todas as vozes, Angola tem feito um caminho positivo na consolidação do seu processo de reconciliação. Conforme referiu, a igreja vê, com bons olhos, esta caminhada que os angolanos têm feito por ser o caminho mais acertado para o alcance da unidade nacional. “O que temos de fazer é caminhar juntos. E o caminho se faz juntos”, apontou.
Para o prelado, nesta caminhada que os angolanos têm feito, é necessário que não sejam ouvidas as vozes agitadoras que, no seu entender, só minam o processo de reconciliação nacional, o que nada abona para a construção da Angola que se presente. “Há sempre vozes agitadoras e de pessoa que não nós querem ver unidos. E, se não escutarmos essas vozes agitadoras, certamente poderemos fazer um caminho juntos para consolidarmos a democracia”, apelou. O prelado apontou ainda a necessidade de a igreja ajudar o Estado neste processo de reconciliação nacional, dado o papel que as instituições religiosas desempenham na formação do novo homem.
Paz em angola garante estabilidade em áfrica
Por seu lado, a nacionalista Rodeth Gil refere que a paz que hoje reina em Angola tem beneficiado, igualmente, outros países do continente, sobretudo a nível da África Austral. Segundo Rodeth Gil, é por causa da paz que Angola vem assumindo posições estratégicas em questões de segurança em África, o que confere ao país um posicionamento estratégico importante. A título de exemplo, apontou os esforços e a posição de respeito que Angola vem exercendo para o fim do conflito na República Democrática do Congo na qualidade de líder da Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos (CIRGL).
“Se não fosse a paz, não teríamos esse respeito. Por isso é que sempre digo que valeu apena termos nos sentado para dialogar e assinar a Paz”, destacou. De acordo ainda com Rodeth Gil, alcançada que está a paz, 21 anos depois, é, doravante, responsabilidade de todo angolano preservar esse bem comum e trabalhar diariamente para que se traduza, na prática, em desenvolvimento. “Sobretudo, vocês, os jovens, é o momento de preservarem a paz. Só vamos atingir o desenvolvimento se soubermos preservar a paz”, apontou.
Jovens são os maiores beneficiários da paz
O MPLA, partido no poder, por via da sua organização juvenil, JMPLA, entende que a paz trouxe benefícios múltiplos para o país, sendo os jovens os principais beneficiários de toda a acção governativa. O líder da organização, Crispiniano dos Santos, refere que, ao longo destes anos de paz, Angola tem conhecido desenvolvimento em várias áreas, o que demonstra, na prática, o compromisso do Executivo com o bem-estar das populações. Conforme referiu, apesar dos desafios, os angolanos têm sabido preservar o sentido da paz que perdura há 21 anos no país.
Segundo o jovem político, desde que entrou no poder, em 2017, o Presidente do seu partido e do país, João Lourenço, tem assumido o compromisso de dignificar a paz com acções governativas que têm vindo a impactar positivamente na vida das populações e dos jovens em particular. Apontou o compromisso com o combate à corrupção como uma das acções que muito tem contribuído para a atracção do investimento privado e a credibilidade do país junto das instituições e parceiros internacionais.
Consolidar o estado de direito e democrático
Já a UNITA, por via do seu por- ta-voz, Marcial Dachala, entende que o país não está tão bem as- sim conforme o partido no poder “pinta”. Marcial Dachala reconhece o calar de facto das armas com a assinatura de paz em 2002, mas esclarece que o Governo do MPLA, há mais de 40 anos no poder, vem falhando com o compromisso que assumiu que é o do desenvolvimento do país na sua plenitude.
Para o político, a acção governativa não tem sabido honrar o sacrifício de todos aqueles que se “bateram” para que o país, actualmente, conheça, de facto, a paz efectiva. Uma das falhas que Marcial aponta é o facto de Angola não realizar, até ao momento, eleições autárquicas, o que coloca os angolanos numa posição triste em relação aos outros Estados africanos. De acordo com o político, o MPLA é o principal causador do atraso que o país regista, sobretudo a realização das eleições autárquicas. “Estamos todos de parabéns pela paz. Mas precisamos fortalecer o Estado de Direito com a realização das autarquias”, defendeu.
Primeiro ano sem o homem da paz
A comemoração dos 21 anos de paz fica marcada com a ausência nas festividades do principal timoneiro, designa- do Arquitecto da Paz, o antigo Presidente José Eduardo dos Santos, falecido por doença em Barcelona, Espanha, o ano passado. Eduardo dos Santos, na qualidade de Presidente da República, foi dos homens que se bateu para que a paz fosse um facto. A meio a todo um conjunto de festividades para saudar os 21 anos de Paz, o Presidente da República, João Lourenço, irá, hoje, depositar uma coroa de flores no sarcófago de José Eduardo dos Santos, gesto que, para os especialistas em assuntos políticos, representa um acto de respeito à figura do também conhecido “Arquitecto da Paz”.