O ministro das Relações Exteriores, Manuel Augusto, garantiu que as relações entre Angola e Portugal “são excelentes”, mas “ensombradas por um caso específico que releva da atuação da justiça portuguesa”.
O ministro avisou ontem que enquanto o caso que envolve a Justiça portuguesa e Manuel Vicente não tiver um desfecho, Angola “não se moverá nas acções de cooperação com Portugal”. “Enquanto o caso não tiver um desfecho, o Estado angolano não se moverá nas acções, que todos precisamos, de colaboração com Portugal”, disse Manuel Augusto, em entrevista à Lusa e à rádio francesa TF1, à margem da cimeira entre a União Europeia e a União Africana, que termina hoje, Quinta- feira, em Abidjan, na Costa do Marfim.
“Este já não é um caso individual de justiça, é um caso do Estado angolano e enquanto não tiver um desfecho, o Estado angolano não se moverá nas acções de cooperação com Portugal, e competirá às autoridades do Estado português
verem se vale a pena esta guerra”, vincou o diplomata.
“Não fomos nós que a escolhemos, porque há elementos para tornar este caso num caso normal de justiça, mas a nossa posição é clara: enquanto não houver um desfecho não há cooperação nem encontros a alto nível, nem nenhum passo da nossa parte”, acrescentou Manuel Augusto, que falou aos jornalistas já depois de um encontro bilateral entre o Presidente de Angola e o primeiro- ministro português, ao final da manhã, à margem da cimeira.
Para o chefe da diplomacia angolana, as relações entre os dois países “são excelentes”, mas estas estão “ensombradas por um caso específico que releva da actuação da justiça portuguesa”. “Angola respeita a separação de poderes, mas a única coisa que queremos é que o poder judicial português deve ter em conta
os interesses de Portugal e de Angola”, disse.
“A razão de Estado aplica-se aqui; enquanto o poder judicial português entender que as relações entre dois Estados são menos importantes do que o cumprimento deste processo na direção em que estão a levar, nós aguardaremos”, alertou. Questionado sobre se a razão de Estado deve sobrepor -se ao poder judicial, Manuel Angola disse que “a justiça não se deve pôr nem por cima nem por baixo” e lembrou que existe um acordo judiciário entre os dois países, que permite a transferência de processos em caso de necessidade.
“O que se passa é que houve essa diligência em Portugal e o Ministério Público não é favorável, ou recusa-se a fazer, na argumentação de que não confia na justiça angolana, que terá havido uma amnistia e que o processo podia enquadrar-se nessa amnistia”, lamentou o diplomata. Só que, apontou, “aqui já há um juízo de valor sobre a justiça angolana, porque se não confiavam, não deviam ter assinado o acordo judiciário”, argumentou Manuel Augusto.
Lembrando o caso do empresário e antigo presidente do Sporting, Jorge Gonçalves, o ministro disse que “Portugal recorreu a este acordo para pedir a colaboração nesse caso”. “Ora, na análise, temos de concluir que o caso de Manuel Vicente está politizado, porque nem pelo valor material, nem pelas consequências da sua ação justifica todo este estardalhaço”, disse.
“Se é um problema político, então vamos tratá-lo politicamente”, concluiu. A Lusa noticiou a 19 de Maio que o Ministério Público (MP) já enviou para o Tribunal de Instrução Criminal o caso “Operação Fizz”, em que o ex-vice-Presidente da República de Angola e ex-presidente da Sonangol, Manuel Vicente, é suspeito de ter corrompido Orlando Figueira quando este era procurador no DCIAP, departamento do MP que investiga a criminalidade mais grave, organizada e sofisticada, designadamente de natureza económica.
Em causa estarão alegados pagamentos de Manuel Vicente, no valor de 760 mil euros, ao então magistrado para obter decisões favoráveis em dois inquéritos que tramitaram no DCIAP. Manuel Vicente está acusado de corrupção activa na forma agravada, branqueamento de capitais e falsificação de documentos.
A decisão do Departamento Central de Instrução Criminal (DCIAP) de enviar os autos para instrução (fase processual seguinte à acusação) surgiu numa altura em que, após um pedido do MP português para notificar Manuel Vicente, o procurador-geral de Angola decidir pedir um parecer ao Tribunal Constitucional sobre o assunto, o que atrasou a diligência.
‘É uma questão exclusivamente judicial’
O primeiro-ministro português, António Costa, considera que o “único irritante” nas relações entre Portugal e Angola é “da exclusiva responsabilidade” da justiça portuguesa. Costa garantiu que Angola concorda com este parecer. ‘Ficou claro que o único irritante que existe nas nossas relações é algo que transcende o Presidente da República de Angola e o primeiro-ministro de Portugal, transcende o poder político, e tem a ver com um tema da exclusiva responsabilidade d autoridades judiciárias portuguesas”, vincou António Costa.
Em declarações aos jornalistas em Abidjan, à margem da cimeira entre a União Europeia e a União Africana, que decorre até hoje, Quinta-feira, Costa sublinhou que a questão prende-se “exclusivamente com matérias judiciais” e argumentou que “não podem nem devem condicionar a política externa portuguesa”. Questionado sobre se Angola também terá esse entendimento, o primeiro-ministro respondeu que sim.
“Sim, muito claramente, isso foi reafirmado. Percebo as razões que Angola coloca, mas é hoje muito evidente que há uma distinção clara entre o que é o entendimento das autoridades políticas portuguesas e aquilo que é matéria das autoridades judiciais”, salientou o chefe do Governo português. António Costa considerou o encontro bilateral da manhã de ontem com João Lourenço como “muitíssimo bom, de acordo com a excelência das relações políticas que Angola e Portugal mantêm”.
O chefe do Governo disse que os dois países estão a ultrapassar as dificuldades económicas recentes, e que isso “permite encarar com optimismo e confiança o crescimento das relações económicas nos próximos anos” com o principal parceiro comercial português na África subsahariana. As declarações de António Costa surgem depois de o ministro das Relações Exteriores de Angola ter avisado que enquanto o caso que envolve a Justiça portuguesa e Manuel Vicente não tiver um desfecho, Angola “não se moverá nas acções de cooperação com Portugal”.