Numa sociedade, na qual a cada período as línguas locais de Angola (designação apresentada na Constituição da República, artigo 19, ponto 2) perdem o estatuto e, concomitantemente, o número de falantes, a língua kimbundu, original do grupo étnico ambundu, tem perdido a sua posição a nível dos falantes, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), por exemplo, no ano 2012, como espelham Nguluve, Paxe e Fernando (2020: 182, 183 e 184) era a quarta língua, com 8%, já os dados do Censo Populacional, realizado em 2014, continuou a ser a quarta língua mais falada, com 7,8%, diferente do ano 2002, com 16%, em terceiro lugar.
gora vejamos: se de 2012 até 2014 perdeu alguns falantes, temos a plena certeza que em 2024, no censo que se avizinha, menos falantes haverá nessa língua, logo, quando o escritor Nelson Soquessa, na obra Isunji, que retrata sobre duas tribos afectas à província de Malanje (malenge e songo), apresenta mais de sessenta unidades lexicais em kimbundu, sem dúvidas, valoriza as línguas de Angola, que, nos últimos dias, perdem muitos falantes, principalmente a língua kimbundu; e impulsiona a pesquisa nessa língua.
A posição que a língua inglesa detém a nível mundial, enquanto uma língua franca científica (the lingua franca of science), é muito evidente que muitos escritores, na procura “latente” de ascender, isto é, internacionalizar os seus textos, têm a língua inglesa como uma mola impulsionadora para tal, diferente do que se vê no Isunji, com as unidades lexicais em kimbundu, visa valorizar a nossa cultura de Angola, seguindo o pensamento segundo o qual “a língua que não se defende morre”.
Nos quatro tipos de aulas de Língua Portuguesa proposto por Vilela de Freitas para o I e II Ciclos do Ensino Secundário Angolano, como nos fazem saber Anjos et al (2020: 26), tem a primeira aula como “Exploração Vocabular”, sendo assim, levar o Isunji nas salas de aulas das escolas angolanas, decerto, estaríamos a desenvolver a competência cultural, em matéria linguística, com o número de unidades lexicais em kimbundu que a obra apresenta, porque há quem diga que “o texto constitui a principal matriz e o principal meio de acesso à cultura de um povo”, quer dizer, com essas unidades lexicais, os leitores acabam conhecendo muito a cultura do povo ambundu, com destaque a realidade do povo malenge e songo, por exemplo, olhamos para alguns pontos que achamos de extrema importância na obra Issunji, quanto ao acesso à cultura do povo malajino: Jamwamba ou jamambé, expressão usada na página 21, que segundo o escritor significa “filho alheio”.
Na cultura ambundu, em Malanje, remete a um provérbio, isto é, se o filho adoptivo estiver a pedir jinguba (amendoim) à mãe adoptiva, ela dirá que o amendoim é para mwamba (um tempero da gastronomia angolana, usando o amendoim, podendo ser cru ou torrado), mas se for o seu filho biológico, a mãe dará o amendoim ao filho para comer, logo, só é para mwamba, se for o filho alheio, se for para o seu próprio filho não. Mbembe, expressão usada na página 17, a significar: “usada para prender pessoas para prática de feitiçaria [não visíveis a olhos do mundo real]”.
Na cultura ambundu, nas aldeias, é muito frequente o uso dessa expressão, que é um indicador a quem não sabia muito sobre a cultura ambundu, em particular, e angolana, no geral, que há feitiço (magia), essas redes são usadas, colocadas em alguns sítios, mas que não são visíveis a olhos nus nem com microscópio, nem lupas, senão no mundo mágico (feitiçaria).
Como não bastasse, a obra, através de muitas unidades lexicais do kimbundu, pode servir de base concreta, para que os estudantes percebam que a língua portuguesa se enriquece com unidades lexicais das línguas de Angola, como se vê na página 16, por exemplo, as expressões alembamento e caçula, que são usuais normalmente no português de Angola e não só, são oriundas do kimbundu, alembamento, do verbo kulemba, isto é, pedir; para o nosso caso é a cerimônia do casamento (tradicional); caçula refere-se ao último filho, hoje, fruto da extensão semântica que sofreu na língua portuguesa, irmão mais novo.
Por conseguinte, entendemos ser muito útil que os professores de Língua Portuguesa procurem trabalhar em salas de aulas com a obra Isunji, apresenta muitos valores culturais para os alunos do I e II Ciclos do Ensino Secundário Angolano, levando a perspectiva que o texto deve ser o pretexto do ensino da Língua Portuguesa, com a ênfase de trabalhar com textos (autênticos) que retratam e espelham a realidade cultural angolana.
Por: ADILSON FERNANDO JOÃO