A Obra O Cão e os Calús (Caluandas) de Artur Maurício Pestana (Pepetela), publicada em 1985, com o seu texto descrito, muito provavelmente na Língua Nacional Kimbundu, traz uma abordagem moral, ética e espiritual muito importante para os seus leitores.
A história/estória é contada por um narrador omnisciente ou autodiegético, que desempenha a profissão de pescador vivida junto do seu cão, Súkua ou Lucarpa.
Num dia semelhante aos outros, o pescador preparava a rede e o dongo para praticar a travessia no Mar da Corimba, um cão, chamado Súkua surge, aparentemente recheado de feriadas e pulgas nas orelhas, após ter feito seu espetáculo no Carnaval de Luanda com o grupo “União da Kianda”.
O cão não tinha dono, o pescador também não, daí que aproveitou a oportunidade de ir junto dele à Ilha do Mussulo onde era seu destino, depois de o ter farejado.
Antes de saltar à chata, feita de paus de bambus, madeira viscosa e mafumeira, o velho fez-lhe um monte de interrogações: “vagabundo, porque é que queres ir comigo?” “Não sabe que sou um pobre velho abandonado sem condições de te sustentar?” Eu não tenho carne, apenas peixe, ainda assim queres vir comigo?” o pescador atônito com a disposição do cão, questionava-o enquanto preparava as velas para enfrentar a maré.
Esperançoso em receber as respostas, o cão limitou-se a abanar o rabo, com ar de disposto e contente com o seu novo com o seu novo dono, objectivamente, cada um queria a amizade um do outro, quiçá, fazia-se crer que “o melhor amigo do homem é o cão”, como diz o adágio.
Foi daí que o velho contou a história dele ao rafeiro, com lágrimas que denunciavam um tremendo sofrimento vivenciados enquanto um simples pescador, abraçou o cão, recostados na chata, confidenciou-lhe que sua mulher já morreu, os filhos abandonaramlhe porque sempre achavam a vida de pescador tão difícil, alegando que queriam outra ocupação, nem que fosse a de bandidagem, porém menos a pesca.
Os filhos abandonaram o pai velho que vivia numa pobre kubata no Mussulo.
Sim, no Mussulo dos pobres, onde o governo virou às costas naquela parte do arquipélago mais lindo de Luanda, resultando numa grande segregação social.
Apesar de o cão ter ouvido todos os episódios da vida triste do mísero pescador, sobretudo, que nem todos os dias comeria carne e, nalgumas vezes ambos dormiriam à fome, ainda assim aceitou sem recuar.
Num contexto pragmático, o cão retratado nesta obra de Pepetela refere-se à muita gente que ainda conserva o amor ao próximo, que prefer(em) se doar sem esperar receber algo em troca, o cão, numa perspectiva social, apresenta um comportamento moral que tem vindo a ser enterrado na sociedade cada vez mais materialista e interesseira.
Concebo aqui o cão como uma pessoa, apesar de, no contexto literário, ser apresentado como como um animal, ou um ser com características de zoomorfização, isto é, a tendência de aspectos animais para humanos.
O velho contou ao seu melhor amigo, o cão, que continuaria sendo livre, nunca o iria prender, nem sequer numa coleira, mesmo que este se encantasse com a vida do Mussulo dos ricos, recheados de palácios, piscinas e resorts.
Ainda assim o sujeito aceitou alegremente, o cão, que originalmente na obra se chama Lucarpa, mas nesta análise trato-o por Súkua, não olhou na condição financeira, social ou profissional do seu novo dono.
O cão representado aqui simboliza as poucas pessoas que ainda amam os seus amigos sem olhar às condições, status, nível acadêmico, que apesar do pouco que os outros dispõem, ainda amam de verdade.
A sociedade angolana seria um paraíso celestial se agisse(mos) como Súkua ou Lucarpa, como preferem alguns, não como o cão turbulento retratado em torno de algumas passagens, mas sim como o mbwa (kambúa) regenerado, disposto a ajudar o velho pescador que vive no Mussulo mussecado.
Precisamos ajudar sem interesses.
Precisamos amar sem olhar às condições do nosso próximo.
Por: Mateus D. Vunge