“Portug uês é muito difícil” é o tópico do mito número 3 que Marcos Bagno, renomado linguista brasileiro, analisa no seu livro Preconceito Linguístico: O que é? Como se faz?.
Nas palavras do próprio autor, este livro tem como fim <<encontrar meios adequados para combater>> o preconceito linguístico impregnado na <<actividade pedagógica de professores em geral e, particularmente, de professores de língua portuguesa>>.
Dito de outro modo, Bagno faz-se ao desafio de atacar alguns dos mitos que gravitam em torno do saber idiomático, como é o caso do mito supracitado, o qual será objecto da nossa análise.
Vale antes frisar que alguns dos mitos que Bagno destaca no seu livro estão, de facto, enraizados em várias sociedades, até mesmo na angolana, afinal, cá entre nós, quem é que nunca ouviu alguém dizer que <<falar português é muito difícil>>?! Ele, no entanto, apesar do que acabámos de dizer, comete diversos erros nas suas análises, sobretudo no momento de apresentar as causas de tais mitos.
O mito número 3, por exemplo, é observável nos falantes da língua portuguesa. Muitos dizem, de facto, que a “língua de Camões” é muito difícil, logo, até aqui, concordamos com Bagno.
E onde estão os seus erros?
Na justificação, ou seja, nos motivos que ele apresenta como sendo causadores dos mitos. É verdade que muitos dizem que <<falar português é muito difícil>>, mas não é pelos motivos que o autor apresenta no seu livro, como demonstraremos nos parágrafos abaixo.
No mito número 3, Bagno procura derrubar a idéia segundo a qual <<falar português é muito difícil>>.
Assim, na página 35 do livro acima citado, ele assevera: <<Essa afirmação preconceituosa […] é prima-irmã da idéia que acabamos de derrubar, a de que brasileiro não sabe português. Como o nosso ensino da língua sempre se baseou na norma gramatical de Portugal, as regras que aprendemos na escola em boa parte não correspondem à língua que realmente falamos e escrevemos no Brasil>>.
Tal como Brasil, Angola também herdou a norma gramatical do seu opressor colonial e isso tem dificultado, além de outras questões, o exercício pedagógico de muitos professores de português.
Entretanto, não é de todo verdade que as regras que os brasileiros aprendem na escola não correspondem à língua que se escreve naquele país, até porque a norma culta falada é diferente da norma culta escrita.
E, para mais detalhes a respeito desse ponto, sugerimos a leitura dos artigos dos professores Fernando Pestana e Aldo Bizzocchi, todos deste ano, disponíveis nas suas páginas do Facebook. CARO LEITOR, já se perguntou por que as pessoas dizem que <<falar português é muito difícil>>?
No entender de Bagno, ainda na página 35, elas afirmam isso <<porque temos de decorar conceitos e fixar regras que não significam nada para nós>>. E acrescenta: <<No dia em que nosso ensino de português se concentrar no uso real, vivo e verdadeiro da língua portuguesa do Brasil é bem provável que ninguém mais continue a repetir essa bobagem>>.
Metodologicamente, o ensino da língua não deve estar divorciado da atmosfera do estudante. E parece-nos que Bagno sabe disso, no entanto, ao justificar que as pessoas dizem que falar português é muito difícil porque têm de decorar regras (gramaticais) que não lhes dizem nada, comete um erro grosseiro.
Para ele, a escola devia ensinar aos estudantes o que eles já sabem, privando-os do direito que todos temos de aprender a norma-padrão. Isto pode ser lido na página 36 do mesmo livro: <<Um caso típico é o da regência verbal. O professor pode mandar o aluno copiar quinhentas mil vezes a frase: Assisti ao filme.
Quando esse mesmo aluno puser o pé fora da sala de aula, ele vai dizer ao colega: Ainda não assisti o filme do Zorro! Porque a gramática brasileira não sente a necessidade daquela preposição a […]! É um esforço árduo e inútil, um verdadeiro trabalho de Sísifo, tentar impor uma regra que não encontra justificativa na gramática intuitiva do falante>>.
O que Bagno sugere aqui é incoerente e, além disso, vai contra a ciência, mais especificamente a Linguística Educacional, uma das áreas da Linguística <<que, como se sabe, é a favor da norma-padrão>> (Adriano, 2015).
Ademais, se a escola ensinar o que já se fala (assistir o filme do Zorro, por exemplo), como é que as pessoas conhecerão as demais manifestações discursivas ou desenvolverão competência comunicativa?!
Assim, a norma-padrão, aquela que a escola ensina, tal como as outras normas, é fundamental para que os estudantes se tornem <<poliglotas dentro da própria língua>>, como sugere o renomado professor Bechara.
Por outro lado, o facto de os estudantes não utilizarem, fora da sala de aula, a regência <<assistir a>> não significa que a escola tenha de parar de ensinar a norma gramatical, até porque ninguém fala da mesma forma em todos os momentos.
Para muitos casos, reconhecemos a necessidade de se actualizar vários conceitos da gramática, mas isso não anula a sua pertinência (principalmente em contextos monitorados de escrita) e não nos dá o direito de bater o martelo com afirmações radicais que muitas vezes Bagno faz sobre a norma ensinada nas escolas.
Aliás, ele mesmo se serve dessa norma em vários momentos, particularmente na redacção de seus textos/livros. Portanto, apresentar discursos que desincentivam a aprendizagem de regras que nós mesmos utilizamos, sobretudo em contextos formais de comunicação e ainda mais na escrita culta, é, no mínimo, contraditório.
Afinal, Bagno fala de um jeito, mas escreve de outro. Logo, se quisermos ser intelectualmente honestos, teremos de reconhecer que cada modalidade de uso da língua corresponde a um registo diferente.
O professor de português deve desenvolver competências nos seus estudantes, mostrandolhes os diferentes usos linguísticos, e isso inclui o ensino da norma gramatical (norma-padrão).
Além do mais, deixar de ensinar o que quer seja só porque as pessoas dizem ser difícil não é o caminho certo a se seguir e não é isso que orienta as metodologias.
Muitos dizem, a título exemplificativo, que Matemática é difícil, que conduzir carro (seja de que tipo for) é difícil, que tocar piano é difícil, todavia, as evidências ditam que, com esforço e metodologias certas, é possível aprender tudo (salvo em casos de problemas cognitivos ou outros), prova disso é que o mundo conheceu (e conhece) homens como Pitágoras de Samos, Lewis Hamilton e Ludwig van Beethoven.
As metodologias que o professor usará na sala de aula determinarão o aprendizado dos estudantes, e não a desistência.
Por: FAMOROSO JOSÉ