A memória tem o condão de transformar o passado no presente. Agora mesmo. Imediato. Presente tão presente que, por vezes magoa. De um passado luminoso lembrei-me como se fosse hoje. Há 45 anos acabava de chegar de férias a Luanda com o meu chefe, então capitão Patónio, Comissário Político do Comando da 1.ª Região Militar onde estamos destacados nas gloriosas FAPLA.
Acabámos de pôr os pés no chão da sua residência na rua 4 do bairro Kassenda e recebemos uma ordem imperativa, daquelas que nem vale a pena ter a mínima hesitação: – Têm de regressar imediatamente aos vossos postos. Agora mesmo. Depois de uma viagem tão longa, depois de tanto sofrimento nos corpos, esperava-nos a mesma dose em sentido contrário.
Nem conseguimos sequer degustar a boa cabidela que a minha madrinha Zuela preparava com a sua mão de fada, sob o som de Orquestra TP OK Jazz, dos LP trazidos de Cabinda onde fez a preparação militar e político. A Pátria precisava de nós.
O corpo que espere melhores dias para repousar. O Presidente Agostinho acabara de falecer! Lembro-me como se estivesse a viver esses tempos agora, em cima da hora, no coração do acontecimento. Na memória entre o período em que estávamos no Comando do Sector de Malanje.
Em Julho chegou a ordem imperiosa: – Partam para a cidade do Uíge. Uma missão especial e inadiável. Não percam um minuto! Partimos ao serviço da Pátria amada. Respondemos às ordens da Mãe Pátria. O Presidente Agostinho Neto ia chegar à capital da província depois de proferir o célebre discurso no qual proclamou: “Em primeiro lugar temos de resolver os problemas do Povo”.
Ali mesmo nas terras sofridas do Norte. No território onde em 15 de Março de 1961 rebentou a Grande Insurreição Popular. Ali onde a Liberdade andou à solta até ser afogada em sangue pelas milícias dos colonos. Mas deixou as sementes que deram frutos no dia 11 de Novembro de 1975. Lembro-me como se fosse hoje. Agora mesmo.
Estou dentro do acontecimento. Agostinho Neto reuniu com as autoridades da província no Palácio do Governo, uma construção fabulosa. O edifício foi revestido de mármore especial de Dala Tando. O mais belo palácio de to- do o país, mostrando o poder do café katurra e do robusta. O káfua do nosso contentamento. A província que é uma ntonga ia kafé! Agostinho Neto saiu do edifício e nós estávamos na rua, fazendo a guarda de honra. Garantindo a segurança do nosso líder.
Chegou à minha frente e com a sua voz doce disse palavras que mudaram a minha vida. Eu era um miúdo de 18 anos! – “Então camarada pioneiro? Estás aqui a proteger a minha viatura? Eu não tenho inimigos. Tens de estudar, ainda és muito novo. E os meninos como tu são o futuro da Nação angolana!” Lembro- me como se fosse agora mesmo.
O nosso líder saiu do palácio e chegou à rua. Vinha acompanhado da Primeira-Dama, Maria Eugénia Neto. Notei nele um ar cansado, mas o sorriso com que me falou tinha a força do mundo. Mudou a minha vida. Até àquele dia, muito antes, minha Mãe Paulina dizia que eu tinha de estudar para ajudar Angola, a ser um grande país.
E naquele momento as palavras de Agostinho Neto coincidiram com as da minha Mamã. Esse momento mudou a minha vida. Continuo a ouvir as palavras de Agostinho Neto que fizeram de mim um homem. Ele faleceu. Mas um ano depois, também no mês de Setembro, embarquei num avião da Aeroflot com destino à União Soviética, com muitos companheiros de armas, todos jovens filhos da Pátria Angolana.
Parece que foi hoje. Na minha memória desfilam os nomes de muitos companheiros: Waluca, Sérgio Raimundo, Nito Mimoso, Guida, Eduardo Silva, Costa, Tony, Clemente, Cardoso e outros que neste momento estão num canto do meu coração. Na União Soviética tive o privilégio de conhecer e conviver com Gugu, Lungo, Arlindo, Hilário, Bonga, Beto Custódio, Pataca, Gime, Mário António, Victor, Lupuca, Lisboa Mário, Eusébio, Leopardo, João Lourenço, Sango, Costa, Manuel da Silva, Mateta, Gustavo, Dino Cravid (o único que se gabava de ter servido a NATO).
Aqui estamos, Mussunda Amigo! Aqui esta- mos neste Setembro de aniversários de nascimento e da morte de Agostinho Neto. Mas sempre fiéis aos seus ensinamentos. Sempre prontos a servir a Pátria Angolana. Nós sabemos que viemos da noite dos tempos e vamos para as trevas. Mas Agostinho Neto ensinou-nos o caminho das estrelas, subindo o pescoço ágil das impalas. Com a certeza de que “Esquecer liberta energia em forma de calor. Recordar faz frio”. Obrigado, Camarada Presidente.
POR:ALBERTO KIZUA