«Acor da dor – mesmo que transmita a cor de água – devia ser de um tom preto .
Não é à toa que sinto a solidão a morrer em mim, parecendo que não há mais ninguém no mundo para suportá-la» – disse-nos o Ilustre, a quem coube a explicação do cosmo, em jeito de discurso inicial, no que respeita à astrologia. Sempre foi assim, quando se abria debates: uma partidarização, um monopólio, visualizava-se no decorrer.
«Ela, tomo a liberdade de tirar essa ilação, é igual à escuridão, Ilustre» – subsidiou uma voz que vinha do invisível, sem que lhe dessem convite, enquanto o Ilustre ainda detinha a posse da palavra, atónito pela ousadia. «E a escuridão pode surgir em pleno dia.
Aliás, Ilustre – dizia, na medida em que fitava o seu rosto – eu julgo há tempos que a vermelha seria a cor da morte e a branca, da vida» — ouviu-se alguém a rematar, também sozinho se fez convidado, num discurso de uma sentença quase filosófica.
«Mas, meus senhores, como é possível que a água tenha uma cor e o céu seja, aparentemente, azul?» – Questionou numa súplica intrigante a minha boca, como se estivesse em desespero para ouvir a resposta vinda de quem dominava o assunto.
Dominava? Sim, dominava. Pelos menos, era o que a gente sabia, pelo seu estatuto social. Em uma palavra, o Ilustre tinha a mania de conservar as respostas à ponta da língua, qual uma enciclopédia, para dizer aos outros que tinham de ir estudar mais um pouco.
Entretanto, naquele dia, não fez mais do que se manter numa reclusão, o que aos presentes chamou alguma atenção principalmente a mim.
Não havia como acreditar que ele se mantinha um túmulo, em sua jurisprudência. Fiquei sem obter a resposta. Uma situação de evidente ignorância.
O que eu deveria ter feito? O certo é que os poderes estavam todos delegados ao Ilustre e eu tinha de, simplesmente, pôr o meu cu na cátedra e manter-me na posição de um militar em plena formatura.
Foi que, quando deduzi o contexto mordaz, de nervos ao de cima, comecei a depositar crença na vida como aquilo que se sustenta na existência do respeito à contrariedade [da antagonia].
O que o tão conhecido Ilustre, possuidor de toda a sabedoria, não soube fazer.
É assim tão fácil construir os muros que vão separar a fronteira entre a nossa liberdade e a do nosso vizinho?
A verdade é que, com o sucedido contraditório mal acolhido, estabeleci um tratado de Paz com os deuses, para o bem comum.
A promessa que lhes fiz, por assim dizer, foi não mais me envolver em sarilhos humanos. Só passarei a olhar, doravante.
Fiz, desde já, um exorcismo dentro de mim. Recolhi os restos dos gritos desnecessários e entrei, por vários dias, num congresso, comigo mesmo, de cariz internacional.
Quis propor-me um acordo terapêutico, já que a crítica hoje é vista como a concepção decorada da malvadez ontológica.
Como se aos olhos fosse reservada apenas a missão da observação cálida. Mantinha-me imóvel. Numa sociedade monossémica, pensar além do comum, chega à categoria de blasfemar os bonitos adjectivos dos anjos.
Não eram somente as máximas filosóficas dos clássicos que causavam perturbação interpretativa ao Ilustre.
Também os nossos rabiscos pensamentais miúdos se viram capazes de deixar aos montes uma amálgama de juízes inconstitucionais, encapuzados de sucessivos fracassos na aplicação da hermenêutica política, entre doutores.
Não se nos foi novo aquele contínuo submundo de preguiça no acto de queimar os cartuchos do nosso cérebro; decerto, a cabeça não foi projectada para servir de um depósito de ideologias que nos aprisionam; é, sobretudo e mais alguma coisa, um valioso instrumento com o qual poderíamos pragmatizar a exegese genética das nossas convicções.
Os homens não são como as pedras, de tal modo que não foram criados para olhar o mundo como uma bola sem entradas, nem saídas.
Vivo numa comunidade oxigenada por um computador de software incompatível com o desenvolvimento cognitivo e tecnológico.
À guisa de menção, os caracteres de um renomado juíz valem mais do que o testemunho de um rapaz (?) ao lado de um contentor, se for o assunto da fome.
Notei isso naquele dia, com o discurso do Ilustre. A utopia é um fertilizante assustador, pois tem dado vidas a humanos que não compreendem que as verdades não são universais, colectivas, e que não faz sentido algum convidar ao debate um Ministro das Finanças para cuspir argumentos sobre a pobreza.
Por tradição, não existe sequer um único ministro que não seja rico financeiramente.
Ao que os sinais do tempo me deram a ler nas entrelinhas, o país continua ambíguo, estacionado na perdição, totalmente estagnado numa bacia de retenção.
O país está sob cerca invisível e siliente. Aliás, está sob a cerca sanitária. Não queremos enxergar além-margem, escapar da mesmice que nos cega a capacidade de reflexão.
O respeito começou a ser repartido e a sua importância observada a partir do bilhete de identidade.
Deu para sentir nos ossos a competição pelo nível de inferioridade alto, médio ou baixo no que concerne ao QI; pelo que hoje a inteligência é medida pelo diploma e um autêntico inútil jamais tomará as afirmações, sem que seja um famoso, excelentíssimo, nobre e tudo mais, como foi o caso do Ilustre; ou seja, chegou-se ao século das luzes apagadas voluntariamente, porque o homem quer, a grosso modo, continuar a pensar com a cabeça inadequada sobre assuntos variados, concisos e de grande pertinência.
Assim, se um deputado angolano viesse a público e alegasse que foi professor de Isaac Newton, na Universidade Agostinho Neto, já que somos tão burros, iríamos ser capazes de concluir que tal sentença é valiosa, verdadeira e inquestionável; o desconhecimento é a arma para atacar os fracos, porque os fortes cometem só alguns lapsos – assim se pensa; porém, em contrapartida, acaso um desgraçado povo, coitado do cidadão matumbo, diga a um muito falado professor de Física que Galileu Galilei não terminou a sua formação universitária, isso é, a sua licenciatura, não duvido que na mesma semana, no mesmo dia, através da janela – porque, na confusão, sair pela porta ainda é sinal de cortesia – tal aluno seria imediatamente evacuado para uma UTI mais próxima e, provavelmente, depois, Opinião,
Por: SALVADOR XIMBULIKHA