Propusemo-nos à leitura da obra literária 542 Anos em Coma, de género narrativo, enquadrada no subgénero “novela”, de David Gaspar.
Importa-nos sublinhar que a referida obra foi consagrada como vencedora na primeira edição da colecção prémio literário GGMF.
Assim sendo, antes de percorremos sobre a obra, duas notas saltam-nos à vista: a primeira atém-se ao facto do referido concurso, que está sob chancela da GGMF, ter surgido num contexto em que se assiste há um não clímax financeiro que se consubstancia em entrudos de manuscritos que podiam ser traduzidos em obras literárias.
Logo, é um concurso que subentende a existência de novas esperanças no panorama da instituição literatura.
A segunda, por terem honrado com a palavra, isto é, a obra foi publicada e o escritor recebeu os valores do prémio, portanto, tal desiderato constitui em si um dispositivo de credibilidade institucional e funcional.
Relativamente à obra, que é a constituinte fundamental da nossa abordagem, foi apresentada, em Luanda, no dia 24 de janeiro de 2024. Está dividida em oito capítulos, enumerados em romanos.
Os capítulos foram marcados pela introdução da heterogeneidade, isto é, há temas em determinados capítulos, por exemplo no I, em outros não há e ainda há capítulos marcados pela datação.
Quanto ao discurso, o narrador faz recurso ao livre que, por sinal, é a combinação do directo e indirecto na produção das falas dos personagens.
Neste binómio, directo e indirecto, notaremos a produção da fala representativa, por meio de dispositivos locativos, por exemplo, mercado Calaboca, BCA, rua dos Marrecos.
Assiste-se ainda a fala simbólica, por exemplo, baucadas, que transfere uma série de significados no âmbito da função emotiva.
Ainda no primeiro capítulo notar-se-á a representação fonética. Isto é, a transferência ou marcas produção fiel da fala à escrita, por exemplo, vamu*, hoji*, já ti* fali*, candjero*.
Há ainda queda consonânticas resultantes da fala, por exemplo, i*(r) daí. O narrador socorre-se também da função poética, por exemplo, no quarto capítulo, “(…) posta dentro de um vestido de corpete rígido que lhe dá uma postura bastante erecta e lhe desenha os seios bicudos e redondos como os de uma adolescente(…)”.
Aproveitamos, desde já, realçar que a narrativa da literatura em prosa privilegia a nuances que subscrevem à recriação do estado sociocultural, à ruptura entre o código oral e o escrito nos seus diferentes níveis.
Logo, a construção da narrativa não se distancia do imaginário cognitivo do narrador. Vejamos, por exemplo, que há um monólogo personático na perspectiva da esteira semântica: “(…) era magra como se acabada de chegar da Somália da minha cabeça” Quanto ao psicológico, o narrador reconstrói o tecido social por meio de uma sintaxe prosaica verossímil que recorre à sintaxe da poesia: “(…) Imaginava-a de olhos comidos pelos ratos dos cemitérios da capital e dos lábios a decompuserem-se na morgue do Hospital Américo Boavida.”
Ora bem, abordagem apresentada, com as devidas objecções que possam advir, não se dá como terminada.
Pois que, entendemos que há necessidade de uma mais alargada e substancial. Outrossim, ela parte e assenta-se numa leitura descritiva.
Por: Hamilton Artes