No grande teatro da existência, o amor se apresenta como uma comédia tragicômica, onde o ordinário se transforma em epopeia e cada gesto, por mais simples que seja, adquire ares de um milagre inatingível.
Em meio à rotina, os apaixonados erguem seus sentimentos a um patamar quase sagrado, construindo castelos etéreos que desafiam as leis da lógica e da realidade.
Assim, o simples ato de trocar um “bom dia” torna-se o prelúdio de um romance shakespeariano, onde o trivial se metamorfoseia em sinfonia de emoções, e cada olhar furtivo, cada sorriso tímido, ressoa como um hino à grandiosidade do devaneio.
É quase cômico observar como os românticos modernos, na ânsia de proteger seus corações frágeis, abraçam a segurança de um amor idealizado em detrimento da imprevisibilidade dos encontros concretos.
Nesse universo, cada palavra não dita, cada silêncio prolongado, é revestido de um simbolismo tão intenso que se transforma em uma peça única de um mosaico de emoções.
Ao interpretar um aceno ou um breve sorriso como a assinatura de um destino grandioso, o apaixonado tece uma tapeçaria de ilusões, onde o amado é elevado a uma divindade intocável, imune às imperfeições humanas e dotada de uma perfeição quase mitológica.
A ironia desse cenário é pungente: enquanto o romântico se deleita na arte de decifrar os mais ínfimos sinais – aquele “ok” morno, um emoji aparentemente despretensioso – a realidade segue sua marcha impassível, indiferente aos devaneios.
A demora em uma resposta, o silêncio que se estende sem explicação, transformam-se, para o coração enamorado, em indícios de um amor secreto e predestinado.
Assim, cada gesto banal é revestido de uma aura mística, como se o destino, em sua sabedoria irônica, conspirasse para confirmar a existência de um sentimento épico, capaz de transcender a crueza dos fatos cotidianos.
Nessa dança de expectativas e interpretações, o romantismo platônico se mostra um exercício de pureza e ingenuidade, onde o ideal se impõe sobre a realidade.
Os devaneios alimentam-se de metáforas e simbolismos, transformando cada recanto da cidade em um cenário idílico, cada pôr do sol em um epílogo de uma paixão eterna, ainda que construída apenas nas fronteiras da imaginação.
O amor, então, torna-se um misto de riso e lágrimas, um flerte constante com o impossível, onde o exagero dos sentimentos se opõe à simplicidade das interações humanas.
À sombra das luzes de neon e das telas brilhantes dos smartphones, os românticos modernos encontram novas formas de cultivar seus devaneios. Um “like” em uma fotografia passa a ser considerado um sinal cósmico, uma benção dos deuses do amor, e uma mensagem curta se converte, instantaneamente, num soneto que ecoa pela vastidão digital.
Contudo, essa era tecnológica, com sua rapidez e efemeridade, impõe seus próprios limites à paixão idealizada. O mesmo ímpeto que transforma um breve contato em promessa de eternidade pode ser diluído por um “tchau” apressado, deixando o romântico imerso numa espiral de interpretações e incertezas.
Entre os devaneios e as realidades, o poeta enamorado emerge como o arquétipo do amor ideal. Munido de palavras rebuscadas e de uma imaginação sem fronteiras, ele transforma cada dor e cada alegria em versos que desafiam o tempo e o espaço.
Todavia, essa habilidade de transmutar o efêmero em eterno traz consigo uma ironia amarga: o próprio poeta, ao construir seu universo de sonhos, arriscase a aprisionar-se em expectativas inalcançáveis, tornando-se refém de um ideal que, por mais nobre que seja, jamais se concretiza. Cada poema não recitado, cada carta jamais enviada, é um lembrete da fragilidade de um amor que se alimenta, sobretudo, da ilusão.
No cotidiano, os encontros se desenrolam como pequenos atos teatrais, onde o drama do romance se mistura à simplicidade de uma conversa casual. Imagine uma cena num café aconchegante: dois olhares se cruzam, e, para os românticos, esse breve instante é suficiente para acender a chama de uma paixão arrebatadora.
No entanto, o que se passa entre goles de café e sorrisos contidos é, muitas vezes, uma troca modesta e despretensiosa, fadada a se perder na rotina. Ainda assim, o romântico insiste em ver nesse encontro um prenúncio de uma história digna dos mais grandiosos contos de fadas, ignorando a crueza dos fatos que, silenciosamente, apontam para a mediocridade do real.
A passagem do tempo, esse implacável diretor de cenários, não perdoa nem os mais intensos devaneios. Cada dia que se passa acrescenta uma nova camada a essa história de ilusões, onde o calendário se transforma em cúmplice de um amor que celebra datas imaginárias e aniversários de encontros que nunca ocorreram.
A memória, por sua vez, assume o papel de cronista silencioso, registrando em seus recantos os ecos de promessas não cumpridas e de sonhos desfeitos. E, nesse fluxo inexorável, o romântico se vê dividido entre a nostalgia de um passado idealizado e a amarga constatação de que a eternidade existe apenas no reino da imaginação.
No meio desse turbilhão de sentimentos, o amigo cético se faz presente, com sua visão pragmática e seu humor ácido, lançando observações que, embora pontuadas de ironia, revelam a verdade crua do cotidiano.
“Amar é bom, mas a realidade tem um senso de humor muito peculiar”, diz ele, como se, com poucas palavras, pudesse desmascarar a grandiosidade dos devaneios que sustentam o romantismo.
Essa convivência entre o exagero dos sentimentos e a simplicidade dos fatos cria um contraponto que, por si só, é digno de riso e reflexão. É na tensão entre o ideal e o real que se revela a verdadeira beleza – e a verdadeira tragédia – do amor.
Por: André Curigiquila