Acontece com acentuada frequência nos talk shows de Hollywood, famosos convidados darem “testemunho” sobre o impacto transformador que teve em suas vidas certa viagem a este ou aquele país de terceiro mundo (ou “em desenvolvimento” se quisermos), africanos na sua maioria.
Os mesmos convidados, milionários e privilegiados, afirmam que tais viagens, como que epifánicas, os ajudam a ter maior consciência da vida única que têm, o que automaticamente os conduz a viverem com maior gratidão e apreço por tudo o que possuem.
Estes sentimentos geralmente emergem após conviverem com pessoas indigentes, nas ruas, orfanatos ou ao terem contacto com a dura realidade de sociedades de países em desenvolvimento, quase que completamente diferentes dos países ocidentais onde vivem e muito mais do opulento estilo de vida hollywoodesco de que desfrutam.
Um exemplo recente foi a última vinda do rapper americano Rick Ross a Angola, a qual não passou despercebida após o proprietário da chamada “Terra Prometida”, uma mansão de 235 hectares e 109 quartos no estado americano da Georgia, ter tomado a insólita decisão de sair do luxuoso Hotel Intercontinental onde estava hospedado, descer do seu pomposo Lexus e “passear” pelos becos exíguos do bairro Prenda.
No final daquela experiência, o famoso artista, sitiado por uma legião de fãs e admiradores, dirige-se para a câmara de um telemóvel, quase implorando por uma audiência com o Presidente da República, afirmando ter ideias de negócios ou projectos que poderiam ajudar a melhorar as vidas de pessoas indigentes como aquelas com as quais teve contacto.
Naquele dia, Rick Ross saiu de si e fundou uma religião. Podemos chamar esta religião de “Gostaria Muito de Ajudar”.
Testemunhei um fenómeno semelhante que aconteceu com um amigo, nascido no Bailundo no seio de uma família humilde e tendo lá vivido parte da sua infância, o qual tem também o seu nome incluído nas estatísticas do êxodo populacional que se faz a Luanda.
Ele teve a oportunidade de realizar recentemente, à serviço, a sua primeira viagem internacional para França, onde visitou lugares icônicos como a Torre Eiffel, o Louvre e Notre Dam.
Em verdade, em verdade vos digo, o meu amigo nunca mais foi o mesmo após ter regressado daquela viagem que, à semelhança dos famosos de Hollywood, revolucionou-o por completo, fazendo-o mudar muitas das perspectivas que tinha em relação a variados aspectos da sua vida e da realidade de vida luandense, levando-o a redirecionar a sua trajetória.
Ao ter tido contacto com aquela sociedade desenvolvida, percebeu que há disponível uma infinitude de possibilidades, que tem de se pensar grande e sonhar alto.
O meu amigo abrangeu os seus horizontes e a sua mundividência. Ele saiu de si e fundou uma religião.
Podemos chamar esta religião de “O Céu é o Limite”. Mark Manson, aclamado escritor americano, começa o segundo capítulo do seu best-seller “A Arte Subtil” relatando uma história que teve lugar há cerca de dois mil e quinhentos anos, no sopé dos Himalaias, actual Nepal, onde havia um grande palácio cujo rei se tornaria pai.
O rei criou o seu primogênito fazendo tudo que estava ao seu alcance para garantir que o filho não tivesse contacto com nenhum tipo de miséria, dor ou sofrimento, proporcionando-lhe todo o luxo de modos a que a sua vida fosse perfeita.
A sua utopia durou até certa altura. Apesar de todo o luxo e opulência, não tardou para que o rapaz sentisse que a vida que tinha era cheia de nada e sem real significado.
Eis que certa noite o jovem príncipe, com o auxílio de um criado, consegue transpor os altos muros do palácio destinado a ser seu.
Percorrendo a aldeia mais próxima, ficou horrorisado ao ver tanta desgraça, pobreza, fome e doença. Perturbado, o príncipe toma a radical decisão de abandonar o palácio, renunciar a tudo quanto tinha direito e viver como um animal, passando fome, sede, enfermidades e implorando por migalhas de pão. Passado algum tempo, ele percebe que do mesmo jeito que não havia nobreza em ter uma vida perfeita e livre de sofrimentos, também não havia nobreza no sofrimento e na miséria.
Caminhando à procura de respostas, o príncipe dá por si defronte a uma enorme árvore perto de um rio onde decidiu sentar-se e não levantar enquanto não o ocorresse uma ideia grandiosa. Resa a lenda que o confuso príncipe ficou ali sentado por quarenta e nove dias e durante esse tempo, compreendeu várias coisas.
Uma das principais coisas que compreendeu é que todos temos de sofrer, isto porque a vida é em si mesma uma forma de sofrimento.
O jovem príncipe saiu de si e fundou uma religião. A sua religião é actualmente uma das mais influentes no mundo com um número estimado de mais de 500 milhões de fiéis e ela denomina-se Budismo. Que tal sair também de si?
Por: EDUARDO PAPELO