Coisas do ofício, é preciso depositar a nossa alma na criação. Primeiro, fazer rabiscos, notas sobre qualquer tópico do dia.
Um amigo, certa vez, convencido de que estava imbuído de ciência, confessou-me que aos pobres, materialmente, só resta a bela mulher, com aqueles contornos todos, as rotundas desenhadas por um arquiteto de longa experiência, a comida quente ou umas três fresquinhas acabadas de sair da cantina.
Como contrapor isso? Segundo, passar, à charrua, pelos textos que alguém mandou ao correio electrónico, assinalar vírgula onde não há nada além de ausências, observar um silêncio das palavras e dizer a essas que precisam de estabelecer um diálogo espiritual contigo, essas e outras coisas, para além de dizer a uma criança que a cabeça é o centro do ser humano, são linhas de uma costura difícil.
Os cristãos devotos podem levar-me ao calvário, amanhã, mas tenho vindo a pensar que a mulher é arte e artista, deus da humanidade; como toda a matéria do espírito o é, ela, também, carece de um lápis bem lapidado e dedos milagrosos.
O cérebro vem, na verdade, no fim. Por mais horrível que seja a escultura, um escultor atento sabe medir, com concentração, o fim último do prazer artístico.
Ou, por assim dizer, um escritor é o primeiro crítico literário do seu romance, catalogar os altos e baixos das personagens, as suas quedas, os seus mistérios libidinosos.
Bem lá no fundo da equação, o artista é um criminoso, mentiroso de primeira água, que daria menos trabalho a um advogado bem formado no Dundo, quando este descobre que a morte do futuro, mesmo que feita por meios ilegais, é perdoável, já que é carregada de intenções católicas… Sendo assim, a tatuagem que fiz no corpo dela, em verdade, é fruto da minha teimosia.
Quando ouvia música baixa e lia Saramago, em um silêncio abafado pelos choros aqui perto, soube, de antemão, antepernas e antecorpo todo, que o passado continua presente, que a aspereza do meu prazer é semelhante a um sabor duvidoso, que, no fundo, a imagem dela não passou, como eu meditava, enquanto a letra me entrava numa matemática múltipla.
Ler é como subir aos degraus da sua estrutura corpórea, como diria meu amigo leitor agudo, é como semear o amanhã, nunca sabemos se nos servirá pão à mesa, ou anos de prisão, após matarmos a pessoa que come, todos os dias, a nossa comida.
E nem me refiro à comida à mesa, mas falo dos seus volumosos lábios, em ambos os ângulos. É verdade, todo o homem tem um passado de pedra e um futuro de água, que lhe faz arremesso, porque a dor deve ser pensada e sentida, prevista, porque o luto, ao todo, nunca some.
Há feridas que só curam por fora. Prometi-me a mim mesmo que nunca mais voltaria a pecar contra o meu instinto, a violar as regras dos meus objectivos, que teria consolidado a aprendizagem de domesticar o meu cajado e os meus dedos musculosos.
A verdade é uma, como costuma a dizer um amigo editor, os olhos não são cegos, quando lhes passa uma com curvas que ofuscam a lucidez de espírito.
Meu mal foi ter repartido aquela ceia, com a existência dela.
Aquela criatura é única. Shakespeare tinha bebido pouco vinho e nem tinha tocado no seu charuto, quando fez a sentença de que é na mulher onde está a fraqueza humana, a do homem.
E estou aqui, há longos minutos, a calcular quando terei coragem de renunciar à libido. Facto: se um casto for submetido ao baptismo carnal, com uma como aquela que eu conheci, após tê-la somente lido em romances, ainda que receba conselhos de três anjos e três papas, jamais terá os mesmos lábios, se tiver posto sua alma no CAMINHO, na VERDADE e na VIDA.
Tira-se, somente, umas férias.
Por: SALVADOR XIMBULIKHA