As imagens de mulheres trabalhadoras sendo revistadas de maneira humilhante a todos deve ter chocado. No vídeo, amplamente difundido nas redes sociais, via-se uma mulher estrangeira (a chefe) a revistar as trabalhadoras no final do expediente para se certificar de que estas (não) andavam a roubar a loja.
A maka é que a revista era tão rigorosa que passava, inclusive, por quase despir as trabalhadoras e passar as mãos pelas suas partes íntimas a fim de garantir que nada, nem qualquer zona, ficasse por inspeccionar.
A revista era feita quase sem interrupções apesar dos protestos das mulheres, todas elas visível e audivelmente incomodadas. As imagens chocam, mas os motivos de tais revistas também nos deviam chocar.
É verdade que muitos dirão que nada justifica revistas tão invasivas e humilhantes; no entanto, uma breve conversa com qualquer gestor de empresas em Angola dir-nos-á uma realidade indismentível e, pior, incontornável: os trabalhadores em Angola delapidam as empresas onde trabalham.
Recentemente falei com um amigo que trabalha para uma empresa de construção civil.
O meu amigo confidenciou-me que, uma vez que grande parte dos chefes viaja aos seus países de origem por ocasião da quadra festiva, a empresa, nesta época, fecha as obras e decreta férias colectivas por não confiar que os trabalhadores angolanos sejam capazes de manter as operações sem furtar o material e o equipamento.
Um outro amigo, de uma outra empresa, informou-me que, na empresa onde trabalha, mais de 70 por cento da mão de obra eram seguranças cuja principal função era impedir que os seus colegas furtassem materiais e produtos da própria empresa.
Isso deixou-me estarrecido. Ter cerca de quatro seguranças para cada trabalhador deve ser custoso e altamente ineficiente. Ainda nesta senda, certo dia, fui a uma loja de material de construção comprar um saco de cimento.
O trabalhador que me mostrava os produtos da loja levou-me a um corredor isolado e, aí, fez a proposta de me vender um saco de cimento a um preço muito mais abaixo do que o da loja.
Pergunteilhe de onde vinha aquele cimento que ele vendia. O homem sorriu e respondeu-me tranquilamente: – Ó boss… então, vai vir mais de onde? E era como se eu devesse saber e, no fundo, eu sabia.
Qualquer pessoa que já realizou obras em casa sabe das dificuldades em impedir que os pedreiros desviem o material de construção e, agora, a maka é com as trabalhadoras domésticas, muitas delas a inventarem métodos cada vez mais engenhosos para levar o que não é seu. Vivemos numa sociedade de vijus.
Todos nos sentimos no direito de tomar algum tipo de vantagem sobre o outro.
“O cabrito come onde está amarrado”, diz-se. Roubamos, mentimos e enganamos sem pensar nas consequências que isso acarreta. Não admira; portanto, que a desconfiança dos patrões para com os seus empregados seja de cortar à faca.
As empresas sabem, só que nunca nos disseram publicamente qual o custo de ter tantos vijus no quadro de pessoal, qual o custo de tantos seguranças, de tantas medidas de prevenção de furtos, nem o custo de tantos furtos que, apesar de tudo, passam sem ser notados. Isto leva-me de volta à loja onde as trabalhadoras foram humilhantemente revistadas.
Para que estas revistas terminem e, ao mesmo tempo, os donos da empresa fiquem com as suas consciências tranquilas, só vejo uma solução: investir em mais e melhor segurança electrónica, com todos os custos que isso vai acarretar para a empresa e, no final, para os trabalhadores, porque se a empresa reduz a rentabilidade, em última instância, os trabalhadores também verão os seus rendimentos reduzidos. Este é o custo dos vijus.
Mas os vijus não estão apenas na base da piramide das empresas; na verdade, é no topo onde estão os maiores e mais astutos dos vijus, com todos os prejuízos que têm causado aos seus trabalhadores e à sociedade.
Em Angola, lamentavelmente, muitos chefes não são moralmente mais íntegros do que muitos dos seus trabalhadores que andam pelos corredores a tentar negociatas com os clientes ou a roubar e a esconder artigos nas partes íntimas para depois vendê-los mais baratos.
Os chefes, muitas vezes, pagam salários baixíssimos mesmo quando os funcionários sabem que a empresa é lucrativa, mantêm os trabalhadores com vários meses de salários em atraso enquanto eles “se mimam” com novos e luxuosos carros, viagens e novos investimentos e a desculpa é sempre a mesma: a empresa não está a facturar.
Muitos chefes preferem demitir ou ver sair os quadros mais competentes e experientes para os substituir por outros menos qualificados apenas porque estes últimos são mais maleáveis e representam menos custos na folha salarial.
Quantos chefes enchem as suas empresas ou instituições com familiares, amigos e outros da sua conveniência em detrimento da competência, da capacidade e da eficiência da empresa?
Quantos não são os chefes que não entregam as respectivas contribuições à Seguranca Social mesmo quando os trabalhadores para isso são descontados?
Quantos não são os chefes que delapidam, sem consequências de maior, as instituições que gerem? Para confirmar, é só vermos os desvios que se têm registado nos bancos em Angola, que, pelo que sei, são quase exclusivamente delapidados por funionários com alguma autoridade.
Este comportamento das lideranças, infelizmente, contribui, e muito, para um comportamento similar dos subalternos, cada um à sua medida, cada um a seu nível, cada um ao seu jeito.
Por isso, as nossas empresas e instituições estão quase sempre em dificuldades, quase não geram lucro, não crescem e, com frequência, vão à falência. Mas é esse o custo de termos tantos vijus no país.
No final, todos perdem. Os vijus superabundam e os custos que geram estão à vista de todos. Falo dos custos económicos, mas, como agora também se viu, dos custos sociais e até morais.
Somos mal falados, achincalhados, revistados até à intimidade, as empresas fecham, o desemprego aumenta, os investidores sérios não querem cá vir, os maus vêm, mas vêm apenas para nos explorar e humilhar, os angolanos competentes estão a emigrar, à procura de lugares mais honestos para desenvolverem e para darem o seu contributo.
Entendo que ser viju seja uma grande tentação, principalmente quando parece que a nós falta sempre tudo e que, do outro lado, nada falta. Mas estamos todos a pagar a factura por sermos todos vijus.
Acho que, mais do que fechar empresas, devíamos aproveitar esta oportunidade para discutirmos como aumentar a ética e a moral na nossa sociedade, pois, sem isto, tudo o que se fizer será apenas paliativo.
Por: SÉRGIO FERNANDES *
Escritor