A ruandesa Yseult P. Mukantabana e a americana Hannah Summerhill conheceram-se em Nova Iorque num evento dedicado à redução das desigualdades raciais.
Tornaram-se amigas e, após uma série de conversas mensais organizadas numa sala de estar, lançaram The Kinswomen, um podcast “destinado a normalizar conversas sensíveis sobre a raça e o racismo e a fornecer ideias e ferramentas para construir a confiança entre nãobrancos e brancos”.
The Kinswomen foi eleito o melhor podcast do ano de 2020 pelas revistas Elle, Cosmopolitan e Marie Claire.
Alinhado com a série de áudio, o livro Real Friends Talk About Race (Amigos de Verdade Falam sobre a Raça, obra ainda não traduzida para o português), que escreveram juntas, é um livro diferente pela sua forma:
baseando-se nas suas origens diferentes e suas respectivas experiências de vida, as duas amigas conversam com uma franqueza surpreendente sobre a supremacia branca e a ignorância que ela alimenta através do medo, que impede o surgimento de relações interraciais saudáveis.
A forma dessa conversa textual evoca o diálogo que o escritor James Baldwin e a poetisa Nikki Giovanni tiveram, em 1971, para o programa de televisão pública Soul!.
Durante duas horas, esses dois grandes escritores negros, um homem e uma mulher de gerações diferentes, discutiram em especial sobre a virilidade negra, o racismo branco, o papel do escritor e o dever de transmissão.
Em Real Friends Talk About Race, duas mulheres de 30 e poucos anos, uma negra e outra branca, discutem sobre os fundamentos da sua amizade interracial, o seu desenvolvimento, as suas provações e os seus deveres.
Não saem das suas experiências, mas oferecem caminhos para reflexão e acção, e explicam como construir uma sólida amizade interracial.
As duas mulheres contam, assim, cada uma à sua vez, os seus percursos de vida, as suas histórias pessoais e as suas observações sobre o estado da sociedade e a história da supremacia branca nos seus respectivos mundos.
Mundos que se cruzam, mas não se conhecem realmente. Em suma, este livro convida-nos a ler uma conversa difícil, mas salutar.
Cientes do embaraço que tal conversa pode causar, as autoras insistem que somente a franqueza pode criar a base para uma verdadeira amizade interracial, especialmente entre uma pessoa negra e uma pessoa branca.
E só essa franqueza pode levar a um desejo real de mudar as coisas num mundo marcado pela supremacia branca.
Ambas concordam que os brancos devem aprender a tornarse aliados, para si mesmos e para salvar a sua própria humanidade primeiro.
A conversa sobre o racismo, que é apenas preliminar, é necessariamente delicada, sensível. Mas tem o mérito de levar a uma melhor compreensão mútua.
Então, Yseult e Hannah encorajam as pessoas a tê-la: em família, na escola, no trabalho, nos clubes.
Assim, este livro desenrola, página após página, uma troca convergente que oscila entre o desconforto e o amor, abordando e dissecando todas as formas de discriminação para as atribuir à supremacia branca e à ignorância que ela mantém.
Yseult P. Mukantabana conta a sua história, desde o Burundi, onde nasceu, passando pelo Ruanda, o seu país de origem, até chegar aos Estados Unidos em 2008.
Ela fala sobre o papel desempenhado pelas mulheres da sua família na sua construção. Quanto a Hannah Summerhill, ela abre-se sobre os erros que ainda comete como pretendente aliada, incluindo no seu relacionamento interracial com o intelectual afro-americano David Alexander Summerhill, e relata o seu despertar para o vicio da supremacia branca.
“Being an ally isn’t knowing that racism exists or that it’s bad, its actually working on applying those beliefs to everything you’re involved with and care about” (“Ser um aliado não é saber que o racismo existe ou é mau, é realmente trabalhar para aplicar essas crenças a tudo com o que nos envolvemos e nos preocupamos”), diz ela no início do capítulo 5.
Este livro ensina-nos a passar da ignorância para a consciência, da consciência para a acção e explica como se tornar um aliado, o derradeiro passo no compromisso que é penosamente construído dia após dia, com acções concretas.
“Yes, white people in a white supremacist society are tainted in how they see the world, how they understand people, and how they view themselves in crossracial dynamics, because white supremacy isn’t a thought or feeling. It has managed to systematically insert itself in absolutely everything that is part of our society” (“Sim, os brancos numa sociedade de supremacia branca são preconceituosos na forma como vêem o mundo, como entendem as pessoas e como se vêem na dinâmica interracial, porque a supremacia branca não é uma ideia ou um sentimento.
Ela tem sistematicamente conseguido inserirse em absolutamente tudo que faz parte da nossa sociedade”), afirma Yseult P. Mukantabana no capítulo 10.
Ao pedir-nos para questionar a discriminação e buscar entender as suas causas profundas, Real Friends Talk About Race permite-nos reaprender o básico para recuperar a nossa humanidade.
Em suma, é um livro de esperança, que despertou grande interesse por parte do canal de televisão americano CBS: no passado dia 4 de abril, data da publicação oficial de Real Friends Talk About Race, transmitiu uma entrevista exclusiva com as duas autoras.
Por: RICARDO VITA