A morte do kudurista Mano Chaba, que foi ontem a enterrar, veio, uma vez mais, confirmar a força que o kuduro tem, apesar de muitos cínicos e finos fingirem não ver.
Até antes da sua morte, confesso que não conhecia o Mano Chaba. Inicialmente, soube do seu desaparecimento por via dos meus filhos, que estão tão deprimidos e recolhidos a uma tristeza profunda, como se o Mano Chaba fosse alguém que vinha jantar todos os dias cá em casa.
De seguida, as redes sociais, as conversas nas praças, nos táxis, nos bares e até mesmo no seio dos meus amigos mais próximos, deram-me a certeza de que, afinal, remetido eu a uma vergonhosa ignorância, que Deus me perdoe, estava a perder a oportunidade de ouvir um talento em justa ascensão, cujas portas do sucesso era um caminho inadiável.
Do inferno que é o Paraíso, bairro que o viu nascer e crescer, Mano Chaba alcançou a dimensão nacional e conquistou o coração dos nossos filhos, enquanto muitos de nós, os pais, estávamos distraídos ou focados a ouvir fado, jazz, samba, hip-hop, o que não é mau, é apenas a diversidade.
Com a sua morte, que comoveu Angola inteira e mobilizou, para o seu funeral hoje, mais de 3 mil agentes da polícia nacional, o que nos atira para uma honrada lembrança ao falecido Nagrelha, há toda a necessidade de olharmos para o kuduro com mais respeito, apesar de todas as imperfeições e conduta repreensível de alguns dos seus fazedores.
Nos últimos anos, fiz, por sugestão do Dani Costa, muitos trabalhos jornalísticos ligados ao kuduro. Fui aos bairros, falei com os fazedores da arte, desde o Preto Show ao Scró que Cuia, Tropas da Caope, Noite e Dia, Samara e Jéssica Pitbull. E soube de coisas que não passavam pela minha cabeça sobre o kuduro. Afinal, muito de nós estamos errados em pensar que o kuduro é droga, assaltos, indecência, piruetas, violência e má influência.
É que, na conversa com esses artistas, soube que é um estilo que movimenta milhões, tira pessoas da pobreza, congrega a juventude e é a arte musical que mais movimenta pessoas para as pistas de dança. Não é maninha, mas festa que é festa em Angola tem que tocar kuduro.
Da Cidade Alta ao Cantinton, passando pelo Alvalade, Talatona, Patriota, Cazenga, Viana e até nos becos apertados do Catambor, não há festa sem kuduro. Não há e não há mesmo.
Deve ser por isso que nos outros países mais avisados, onde a cultura não está atrelada à política nem se compatibiliza com agendas de ministros finos, estão a legalizar/registar o kuduro que hoje, inclusive, já é estudado em grandes universidades, colóquios e conferências a nível do mundo todo, enquanto nós, os cínicos, assobiamos para o lado como uma questão que não nos diz respeito, mas nas festas tiramos os casacos e nos esfregamos ao ritmo do kuduro Portanto, como disse um dos fundadores deste estilo, o Sebem, “Ninguém é melhor que ninguém”.
Nessa lógica, não acredito que o kuduro seja melhor que os outros estilos que existam em Angola e no mundo. Ele apenas tem o seu espaço e características próprias, o que faz com que arraste multidões.
E o Ministério da Cultura e outros intervenientes de direito já deviam dar a devida atenção, espaço e reconhecimento. Isso seria fundamental para a autenticidade do estilo e valorização dos seus fazedores que, apesar do sucesso e da multidão que arrastam, ainda vivem desprotegidos e acabam numa profunda tristeza resultante deste destrato e indiferença da parte de quem manda. Que vergonha, meus senhores!