Que não seja demasiado tarde quando nos apercebermos que os nossos provérbios, caracterizados pelo magnânimo Chinue Achebe como sendo “as especiarias com que nós Africanos temperamos a vida”, os nossos valores, a nossa relação com a terra e o meio circundante, com os astros, os fenômenos naturais e sobrenaturais, as nossas filosofias, aquilo a que o ímpar Mia Couto considerou como sendo “um universo de outros saberes”, as nossas culturas, os nossos traços, características físicas e a nossa espiritualidade são na verdade o caminho que devemos e sabemos seguir.
O rumo verdadeiramente certo a (re)tomar. Usam-se muitas vezes as falhas das nossas culturas para se as negar por completo, para se as reprovar por completo.
A verdade é que sequer nos conhecemos.
Somos como que estrangeiros de nós mesmos.
As culturas evoluem e são mutáveis. Elas não são estáticas e anacrônicas por natureza.
A partir do momento em que o indivíduo pertence a um grupo, este, tendencialmente através das gerações mais novas, começa a questionar certas práticas inerentes ao grupo a que pertence.
Caso realmente acredite na necessidade de mudança, ele será agente condutor desta mudança até que ela se reflita primeiro em si mesmo e em seguida no seio da comunidade, até que tal mudança se efective de modo generalizado.
Assim evoluem os povos e suas culturas. Acompanhei no telejornal uma matéria que dizia respeito a um estudo levado a cabo pelo INAC, em ocasião ao Dia da Criança, o qual apurou que existem práticas ainda vigentes em determinados grupos e comunidades rurais, nas quais certos Sobas, aproveitandose dos seus títulos, entendem casar com meninas menores de idade, justificando tratar-se de uma prática reiterada, parte constituinte nossa, aprendida com os antepassados.
Caso seja verdade, o facto é que os antepassados não são infalíveis.
Quantas vezes não damos por nós pagando por erros cometidos por aqueles que nos antecederam… cwom sorte a delegação do INAC reunirá com estes mesmos Sobas no sentido de fazêlos compreender a necessidade de descontinuarem tais práticas. Temos de ser melhores, fazer melhor e nos corrigirmos no essencial.
Assim evoluem os povos e suas culturas. Por outro lado, é imperativo que conservemos o que de positivo alcançamos enquanto povo Bantu.
O respeito à autoridade. O respeito pelos pais, nossos e dos outros. A correção às transgressões dos filhos, nossos e dos outros.
A percepção de nós como um todo.
A personificação da máxima “uMuntu nguMuntu ngaBantu”.
A consciência de que somente sou porque somos e que se não formos, logo não sou. Não deixemos que seja tarde demais.
Percebermos que devemos resgatar e transmitir as brincadeiras dos tempos pueris.
E se apagássemos propositadamente as lâmpadas do bairro e fôssemos todos bicar o bidon?!
Que compreendamos e acreditemos que os nossos valores morais funcionam e são louváveis.
Que a educação rigorosa dos pais africanos é fundamental para incrustar no muntu um caráter virtuoso e que por essa razão não mais precisamos importar do Ocidente educação, hábitos e valores estólidos para as nossas crianças via TikTok.
Que não seja tarde quando percebermos que não há nada de errado, tampouco vergonhoso em sermos nós e que por esse motivo, não mais é necessário opormos-nos a nós mesmos. Não mais é necessário sermos opressores de nós mesmos.
Ensinai a criança que o seu cabelo é arte.
Que o seu cabelo serviu de arma, contribuiu para a luta e reivindicação da liberdade do povo negro, tendo inclusive servido de mapa para guiar os seus antepassados em segurança rumo aos Kilombos no Brasil.
Que a sua pele foi beijada pelo sol e que a melanina resultante desse beijo é uma poderosa capa que a protege das enfermidades causadas pela exposição prolongada aos raios solares do clima implacável de África.
Que não precisa esperar aceitação nem reconhecimento exterior porque ela é descendente dos primeiros humanos.
Que diferente da cada vez mais crescente vergonha que muitos sentem em ser africanos, ela pode e deve ousar sentir orgulho em sê-lo porque os seus antepassados fundaram, multiplicaram-se e dominaram a terra.
Que ela pode assumir a sua negritude livre e apaixonadamente qual célebre Uanhenga Xitu quando exclamou: “Sou escritor de MULALA NA MBUNDA, misturando português, kimbundu e umbundu.”.
Por: EDUARDO PAPELO