A congregação era feita de rezas que se enroscavam no teto, como teias de aranha. Ali, o verbo orar era conjugado até nas pedras do chão.
Mas havia também outros verbos, escondidos entre as fissuras do altar. Verbos que não eram santos e sequer falados. Marta chegou à igreja ainda menina.
Cresceu entre cânticos e promessas, entre véus e certezas que, se olharmos com olhos da verdade, nos roubam o prazer de viver. E Marta, humana que era, queria viver, pois aprendera que viver é diferente de existir.
Para ela, Deus morava nas palavras do pastor Mário, o homem que enfeitava as manhãs de domingo com uma voz grave e aveludada. No princípio, o pastor lhe sorria com mansidão de quem nada pede.
Mas, entre queixas e confidências, os sorrisos ficaram mais longos. Os apertos de mão mais demorados. O olhar, já não pertencia aos céus.
Certa vez, um vento estranho, uma mistura de bênçãos e desejos, levou Marta para os braços do Pai, ou se preferirmos, pastor Mário, isso após ela desabafar, com olhos marejados, que seu namorado era como um tronco seco, incapaz de dar sombra ou florir carinho.
De início, ele tocou-a com a delicadeza de quem folheia uma página sagrada. Mas depois veio o impulso, a pressa, o desejo. E Marta, que nunca havia sido olhada daquele jeito, cedeu.
E depois cedeu de novo. E mais uma vez. O tempo ia costurando os encontros deles, até que, um dia, o fio se rompeu. A mulher do pastor encontrou as palavras escritas no brilho do telefone e o mundo tremeu.
Marta tornou-se no pecado encarnado. — Sai daqui antes que eu te desfaça — disse a mulher, com os olhos de quem sabe que já foi derrotada. Marta queria ficar. Já deixara o namorado, que não quis se converter por não gostar daquele chão, daquele cheiro de madeira antiga e incenso gasto.
Ora, tudo isso Marta gostava, acima de tudo, do pastor Mário. Mesmo com a chamada de atenção, Marta continuou a comer a jinguba por debaixo da água.
Se viam às escondidas. Tornaram-se porto um do outro? Talvez. Com o tempo, Marta descobriu que estava grávida e decidiu, numa chamada telefônica, contar a Mário. Mas este, como quem nada ouviu, se calou.
O silêncio foi mais alto que qualquer sermão feito por ele, tão alto que fez Marta sumir da congregação. Certo dia, Mário pregava redenção, falava do perdão e do amor que tudo suporta.
Sua esposa ouvia atenciosa e orgulhosa de ter cumprido com esmero seu papel de mulher edificadora, que afastou aquela tentação do seu casamento.
Mário continuou o sermão até que seus olhos encontraram Marta no meio dos fiéis. Depois disso, nada mais foi dito.
O sermão chegou aos fiéis no barulho do silêncio, que se tornou, naquele instante, o idioma da congregação. Marta levantou, com passos de quem não tem pressa, e se dirigiu ao altar, onde estava o pastor, com a Bíblia aberta, sem saber o que dizer.
Marta sorriu e ele entendeu. O tempo das sombras havia acabado. O erro do escuro permaneceu no escuro. O dia estava claro e, na clareza, Mário voltava a ser o pai, o santo, o imaculado. Ela percebeu que há amores que nunca chegam a ser mar, mas também nunca secam. São como o rio. E Marta partiu.
Por: DITO BENEDITO
* Escritor e jornalista