A língua, enquanto viva, está sujeita a metamorfoses advindas de situações culturais, sociais e regionais. Neste âmbito, uma dada língua passa a ser mutável à medida que se vai expandido em diferentes espaços de uso, incluindo a maioria dos falantes envolvidos no processo de interacção por meio dela.
Em contrapartida, não haverá produtividade linguística enquanto nos prendermos em uma única norma de uso da língua, como a mais prestigiada ou padronizada.
Devemos permitir que a fala de cada indivíduo flua e contribua para o aprimoramento da língua em contexto real, o da sua utilização, numa concreta situação de comunicação do dia-a-dia.
Em Angola, a título exemplificativo, temos constatado algumas particularidades no uso da Língua Portuguesa nos domínios fonético-fonológico, morfológico, sintáctico e semântico-lexical, o que nos permitiria reunir as referidas peculiaridades para a construção do PA (Português de Angola), tal como se evidencia em outros países que a têm como veicular.
Além disso, a nossa visão linguística deve, também, estar virada àquilo que a norma-padrão não nos proporciona, uma vez que ela é ideal e distanciada da realidade dos utentes que têm usado a língua de forma natural, alienando-se do dito “certo” e “errado”. Ele é bué carismático (equivalendo a muito).
Comemos todas as banana, em vez de bananas. É proibido dar gasosa para se conseguir uma vaga nas instituições públicas do país.( A palavra em destaque possui o valor semântico de dinheiro).
Todas as palavras supracitadas, bem como aquelas que não foram mencionadas aqui, são próprias dos falares angolanos, tendo em conta o contexto linguístico do país, o que tornaria produtiva a língua em questão.
Hodiernamente, considera- se “cegueira linguística” o uso não reflexivo e incompreensível da língua em todas as situações em que é tão-somente privilegiada a variedade padronizada, a de que todos têm de falar de uma mesma forma, desrespeitando a realidade linguística de uma dada comunidade de falantes em que o usuário se encontra inserido.
Entretanto, uma posição imparcial, relativamente ao uso da língua, seria a mais ideal, na medida em que permitiria o desenvolvimento de mais de uma variedade linguística, sem exclusividade, como forma de pensar no repertório linguístico peculiar ao povo de cada região, e não como preconceituosa e inadmissível perante a forma reconhecida pelas gramáticas normativas.
Ora, se cada sociedade é uma sociedade, uma mesma língua pode ser esmiuçada conforme a localidade específica que a usa, por mais que insistamos naquilo que foi padronizado por grandes escritores consagrados, na construção das normas convencionais, pois a interferência cultural terá sempre um papel preponderante na vida de cada indivíduo.
Assim sendo, o PA existe, basta olharmos para a forma como utilizamos a língua no quotidiano, e ninguém deve estar contra essa realidade linguística, mas sim contribuir para uma norma angolana da Língua Portuguesa, para que nos reconheçamos enquanto povo culturalmente desenvolvimento e genuíno.
Ademais, se a língua não é estática, a sua mutação deve ser encarada como inovadora a diferentes variedades existentes na mesma, para que ela seja aprimorada no território em que se encontra e, consequentemente, em diferentes realidades de uso, e não como destruidora daquilo que se tenha construído há anos nas comunidades de fala.
Por: FELICIANO ANTÓNIO DE CASTRO
*Professor