Há coisas que entram e ficam em nós, em silêncio, passam a fazer parte da construção que somos, uma obra ímpar em cada um e ao mesmo tempo partilhada de experiências que nos fazem um outro um em comunidade.
POR: José Kaliengue
Há coisas que nos identificam, que nos colocam num lugar, num grupo. São marcas de que não escapamos, a não ser que vivamos eremitas desde bebés, mas mesmo assim ficamos com este traço, o dos eremitas. Eu e um colega, Paulo, saindo do elevador, num nono andar, apagou- se a luz do edifício. Reagimos com toda a naturalidade de quem está habituado desde muito cedo a viver o momento do “a luz foi” e ao bruá de “a luz veio”. Idas e voltas sem conta que passam a fazer parte de nós. De forma tão entranhada que dá saudade e um estranhamento quando não acontecem. Um vizinho meu, de tão habituado que estava ao gerador, ao liga e desliga às horas marcadas, nos idos em que tivemos direito à ligação a uma rede pública, dois dias depois, estava ele na sala a ver televisão, lembrou-se da hora importante de um jogo e levantou-se às pressas, eram 18 horas. A mulher perguntou para onde ia e ele, serenamente, “vou ligar o gerador”. Ri-me divertido quando me apanhei no escuro de um nono andar de uma cidade europeia, reagi com naturalidade. A falha não durou meio minuto, o sensor do corredor é que não estava bom, mas imaginei que, se fosse um dinamarquês em tal situação, era capaz de começar aos gritos.