Era para ser só mais uma Páscoa. Mais um domingo de roupa engomada, igreja cheia, família reunida e mesa vazia. Mas em Luanda, até o sagrado precisa passar primeiro pelo mercado.
Chegou a Páscoa Pentecostal e com ela, além dos cultos longos e das promessas de bênçãos em abundância, veio também o encarecimento das pequenas coisas que tornam o dia mais leve — como a internet.
O povo, já acostumado a transformar desgraça em piada, agora chama o plano Bala de “plano Bomba”. Afinal, o que antes custava 300 kwanzas, passou para 350. “Só 50 kwanzas a mais”, dizem os que ainda não entenderam que isso representa um aumento de 16,7%. Um número que até parece pequeno, mas que, na economia da casa, pesa mais do que a Bíblia que a avó carrega ao culto das 7h. É irónico — ou talvez apenas cruel — que o aumento venha justamente na época em que se prega renascimento, esperança e salvação.
Os pastores falam do Espírito Santo descendo sobre os fiéis, mas o que desce mesmo é o saldo do telefone, mais rápido do que a bênção. E o povo, sedento de conexão (com Deus e com o mundo), recarrega mesmo assim, porque a internet virou pão. E pão, como sabemos, também está mais caro.
Mas a internet não está sozinha no altar dos aumentos. O gasóleo também deu o seu grito de aleluia — um aleluia amargo, empurrando os preços para cima e os motores para o silêncio.
Taxistas discutem com os passageiros, não mais por causa do troco, mas por causa do itinerário: cada quilómetro agora é uma oração. Já não se escolhe o caminho mais curto, mas o mais barato. Em tempos normais, isso já seria muito.
Mas estes não são tempos normais. Estes são tempos de cólera — literalmente. A doença voltou a bater à porta das zonas periféricas, onde a água chega mais pela fé do que pelo cano.
Baldes viraram cálices e poças viraram fontes de contaminação. Enquanto o povo se ajoelha nas igrejas pedindo cura, muitos nem sabem que o perigo está no copo d’água da cozinha.
A cidade parece viver dois mundos: um em que se fala de salvação eterna, e outro onde se luta por sobrevivência imediata. E no meio disso tudo, o cidadão comum vira equilibrista: carrega a Bíblia numa mão e o telemóvel na outra, tenta manter a fé enquanto calcula quantos megas ainda tem até o próximo salário.
As filas nos hospitais aumentam. As filas nos postos também. E nos salões das igrejas, o povo canta alto, não só por fé, mas também para não ouvir o estômago a reclamar.
O culto termina com “amém” e uma corrida para o terminal dos candongueiros, onde o preço da corrida também já recebeu sua bênção inflacionada. É a Páscoa de um povo que já ressuscita todo dia.
Que se reinventa entre o aumento do gás, o susto da conta do telefone, a falta de água potável e a promessa de que “dias melhores virão”.
Mas até lá, seguimos: com saldo a zeros, combustível na reserva e fé no máximo. Porque em Luanda, a esperança é o único plano que ainda não foi taxado.
Por: RIBAPTISTA