Visitei um famoso mercado informal em Luanda, em busca de preços mais baixos para aquisição da cesta básica. Calcei as minhas botas de campanha, coloquei chapéu e óculos de sol, arregacei as mangas e fui à luta. Enquanto fazia compras, dando um giro por diversas secções do mercado, deparei-me com a zona dos cosméticos e fiquei admirado com a enchente nas diversas bancadas.
Maioritariamente jovens senhoras preenchiam o lugar. Fiquei curioso por ver tanto frenesi e decidi aproximar-me para saber o que lá estavam a vender. Inicialmente pensei comigo mesmo: será alguma promoção? Acabei por descobrir que, sim, uma promoção havia chama- do a atenção daquelas pessoas, porém, para minha surpresa, não se tratava de uma promoção de fuba, arroz ou outro bem alimentar, mas, sim, do paculamento. Eram bancadas de produtos que prometem clarear a pele, desde cremes oleosos a líquidos coloridos, pomadas e fármacos de administração oral.
Era um mar de produtos de variados tamanhos e feições. Não resisti, a minha curiosidade levou-me a percorrer diversas bancadas, a dialogar com alguns vendedores e compradores. Os vendedores tudo prometem, como se tivessem uma varinha mágica, juram transformar o preto em branco, o escurinho em mulato ou em moreno bronzeado.
As promessas são diversas, e os vendedores juram de pés juntos que o resultado é garantido com produtos como o Mekako, em creme, gel ou sabonete, muito procurado pelos clientes; o Tura Cream; L´abidjiana; e o famoso White Coral.
Este último é dos mais desejados no mercado. “É só esfregar na pele duas vezes por dia e já está, ficarás mulato em quatro semanas”, dizia um dos vendedores que parecia ser de origem congolesa, enquanto mostrava um sorriso amarelado e passava a prescrição. Segundo o mesmo, muita gente tem aderido a tais produtos para clarear a pele, inclusive eminentes figuras públicas da nossa sociedade, todos querem pacular o mukutu.
Alguns vendedores acreditam que a elevada procura se deva à não- aceitação da cor da pele por parte de algumas pessoas que se recusam a ser negras, pois se sentem inferiores ou discriminadas pela sociedade ou por pessoas de tez mais clara.
Por um complexo de inferioridade profundo, alicerçado em factores históricos e na falsa superioridade de alguns em relação a outros em razão da cor da pele, temperados por uma ignorância aguda, decidem recusar a sua cor e buscam, sem medir as consequências, diversos produtos. Usam-nos sem qualquer prescrição ou orientação médica e adquirem-nos nos mercados informais, onde não há qualquer controlo de qualidade e origem, pondo em grande perigo a vida e a saúde.
Algumas usuárias dos produtos de clareamento de pele, jovens senhoras, afirmam que outro motivo do uso dos mesmos é o desespero por aceitação social e inserção em determinados grupos, considerando que teriam mais portas abertas caso tivessem a pele mais clara.
Provavelmente, encontrariam um emprego melhor e, se calhar, um bom marido. Segundo as usuárias, a pele clara é essencial para o sucesso dos seus projectos. Elas acreditam que as pessoas mais claras têm mais oportunidades na nossa sociedade e que as de pele mais escura são diversas vezes preteridas. Relatos há de pessoas que usam cimento para clarear a pele, lambuzam-se com o pó do cimento e deixam-no na pele por longas horas.
O desejo de clarear a pele é tão grande, que, associado à cegueira mental, torna o negócio de venda do sonho de mudar de cor extremamente lucrativo. Algumas usuárias afirmam que os papoites e nguvulos têm preferência por latonas e que as mais escuras são muitas vezes discriminadas e colocadas em segundo plano. Outros afirmam que, em determinados locais, a cor da pele ainda é fundamental para conseguir uma vaga de emprego ou para o sucesso ou fracasso em determinadas carreiras.
Confesso que os depoimentos, de quem vende e de quem usa, me conduziram a uma profunda reflexão:
Quanto vale a cor da nossa pele? Ter a pele clara ou escura é determinante para a realização dos nossos sonhos?
Ter a pele clara ainda é decisivo para se chegar a determinados patamares? Ou tudo isso não passa de mera ignorância? Para responder a tais questões, de- vemos levar em consideração que muita gente, efectivamente, desesperadamente pretende tornar a pele mais clara e usa tais produtos na esperança de obter resultados “positivos”, sem medir as consequências.
Muita gente acredita fielmente que com a pele mais clara alcançará sucesso ou aceitação em determinado grupo social ou profissional. A necessidade de não ser escuro e a convicção de que as portas se abrirão a uma pele clara devem levar-nos a reflectir profundamente com a ajuda de diversos especialistas, para que possamos perceber as razões profundas desse fenómeno, considerando que tal pensamento, enraizado na mente de alguns, deve ser combatido pedagogicamente.
A sociedade deve engajar-se para eliminar percepções discriminatórias, baseadas na cor da pele e na ideia de que os mais claros têm primazia em diversos lugares. É falsa a ideia de que pessoas de pele clara têm as melhores oportunidades. Parece-me falsa a ideia de que na maioria das empresas os cargos importantes são ocupados pela “claridade”, sendo o escuro colocado sempre numa posição de baixa visibilidade, onde sempre tem de provar a sua capacidade, e sempre muito mais do que o clarinho.
Essa percepção das coisas, que pode estar completamente errada, mas que se tornou crença para alguns e levou muitos a procurar formas de terem a derme mais clara, usando ferramentas e cosméticas que causam feridas, queima- duras e, em outros casos, prejudicam profundamente a saúde, pois propiciam doenças mais perigosas, como o câncer, pneumonia ou da- nos nos rins. Ser “claro” para alguns é muito mais importante do que qualquer mérito ou habilidade física ou intelectual.
A procura é de tal modo acentuada, que é possível encontrar todo o tipo de oferta até mesmo no mercado informal. Os mercados dos Kwanzas, Asa Branca, Congolenses e Kikolo são os que registam maior afluência de pessoas em busca dos preciosos produtos de clareamento de pele. Em muitos países africanos a comercialização desse tipo de produtos foi proibida, particularmente aqueles que tenham, na sua composição, excesso de hidroquinona e mercúrio.
Promover a valorização do mérito, eliminando a discriminação racial a todos os níveis, poderá ser uma forma de combate ao paculamento, associando acções pedagógicas e psicológicas. Complexo de inferioridade ou desespero por inserção social? Deixo para reflexão do leitor.