Todas as manhãs e finais do dia, vejo-os, são mulheres e homens com bebés de colo e crianças maiores. Reviram os vários contentores de lixo da centralidade, uns levam garrafas e garrafões de água, outros comida, roupa e tudo o que pode ser aproveitado.
POR: Kâmia Madeira
Alguns com ar de necessidade, outros com ar de demência, vão vasculhando incessantemente os nossos despojos diários, procurando dar de comer, sustentar negócios, enfim sobreviver. Tenho tido vontade de perguntar: De onde vêm? Que dificuldades enfrentam? Mas tem-me faltado coragem, é que não é fácil lidar com a pouca sorte alheia e estar impotente, sem saber bem como a colmatar.
Quando vejo-os, penso automaticamente na palavra “catadores”, acredito que vivam nos arredores da cidade e que saiam das suas casas de chapa em busca… pensando com certeza porque não são eles também dignos de viver em altura e ter água e luz todos os dias. Os filhos mais velhos dos “catadores” também circulam por aqui, maltrapilhos, e em grupo, preferem montar guarda à porta das pequenas lojas de conveniência e pedir ajuda.
Um destes dias fui abordada por um, pediu-me dinheiro, disse-lhe que pagava comida, entrámos os dois e pegamos um sumo e bolachas, acanhado e sem muito jeito disse-me: “Prefiro que me pague um pacote de esparguete, para levar para casa”. Olhei para aquela criança e acedi, sabendo que naquele dia a sua família teria o que jantar.
Não me levem a mal, por este desabafo mas é que ando inquieta sem saber se sou a única que os vejo, ou se para todos os outros são invisíveis. Angustia-me que cada dia que passa sejam mais, porque talvez a dada altura o nosso lixo não chegue para todos e se assim for será que desaparecem? Ou revoltam-se?