Deslizando o asfalto da avenida Deolinda Rodrigues, bateu o desejo de ouvir para posterior contar. Com as mãos no volante, acelerei, fui procurar o meu novo amigo, de pele enrugada, lá nos arredores de Caxikane perto de onde nasceu o poeta maior.
Quando me viu chegar, recebeume com o sorriso que lhe é característico, questionou como eu estava e a seguir fez todas perguntas clichés para abertura de conversa.
Conhecendo-me pouco, mas o suficiente, logo notou haver uma razão maior para eu lá estar, então, com a sua voz fragmentada, questionou o motivo levou-me até si, a além da saudade.
– Cabral, durante dias tenho estado a bater a porta da palavra, mas ela não se abre.
Acho que a nova rotina fez com que as vozes que me sussurravam estórias esquecessem o itinerário até mim.
Como assim, tu és daqueles que tem sempre algo a dizer!
Tenho o que dizer quando saio de casa e vou ter com pessoas como tu, que me contam factos com a leveza da utopia. – Ah, meu amigo, você sabe que ser velho é não ter o que dizer sobre o presente, quase sempre as nossas abordagens são em torno daquilo que nos aconteceu quando nos deixávamos seduzir pela adrenalina de viver o proibido. – Cabral, tira algo da mente, eu preciso das suas estórias e de outros para sobreviver, sem elas me sinto mais solitário do sou.
Ah, meu amigo, não digas isso, sei bem os efeitos da solidão. O meu pai, pelo que me contaram, sempre teve a ambição de um dia tornarse regulo e exercer o poder sobre as pessoas, o coitado, mal sabia que o reinado é um caminho solitário para quem não tem dom e sequer sabe relacionar-se com o próximo.
Quando ocupou a cadeira que tanto quis, o meu pai, ao invés de preocupar-se em resolver os problemas da comunidade, viu-se tentado a combater os que lhe haviam ferido aquando da sua mocidade.
E deixa que te conte, meu amigo, esse foi o erro que lhe condenou a solidão.
Cabral diz-se por aí que o poder atrai pessoas!
Meu amigo, o poder é o ouro que tanto buscamos, é o ouro que mal conservado se torna poeira, nos impede de respirar e fmenta a nossa alma.
As vezes o poder nos subcarrega e nos torna errantes e inconscientes.
O meu pai não sabia que quando erramos e não reconhecemos os nossos erros, mais solitários nos tornamos.
Com o tempo, a crescente sucessão de erros fez com que alguns súbditos do meu pai abandonassem a nossa comunidade e fossem em busca de paz nas comunidades vizinhas. Quando se estabeleciam nessas localidades os mesmos não poupavam críticas ao meu pai.
O meu velho, coitado, não tinha noção de como era visto pelos seus, até sair da comunidade para saudar o seu homólogo entronizado.
Quando lá chegou, assistiu à cerimónia, mas não foi convidado a sentar no jango com o novo regulo.
As pessoas acreditavam que meu pai padecia de infaustos contagiosos.
Meu amigo, com o meu pai, percebi que para liderar você precisa ser admirado, precisa ser uma referência para os seus súbditos e para quem você quer estabelecer parcerias, do contrário, eles se tornarão o seu carrasco.
POR: DITO BENEDITO