Não há dúvida de que a língua é propriedade da comunidade de falante, e de que não há comunidade de falante sem língua; dizse da língua também uma instituição social, um instrumento expressão da existencial do ser humano.
À volta da máxima segundo a qual o falante faz a língua se escondem várias intenções, parece não moderna a ideia de não dizer claramente as coisas, há receio em provocar reacções desfavoráveis.
A máxima vem num momento em que se percebeu a rigidez do que é normativo na língua diante da diversidade de uso. A língua admite muitas normas, assinalando, destarte, o conceito de variação linguística— (i) variação diatópica, (ii) variação diastrática, (iii) variação diafásica, (iv) variação diacrónica, só para mencionar algumas.
Do conceito de variação (a língua é dinâmica, fruto do meio social), podemos fazer derivar a inferência que atesta que não há uma só forma de falar a língua; que existem falares diferentes, contribuindo, assim, para o enriquecimento da própria língua.
Uma língua é rica porque congrega um conjunto de possibilidades de uso. Discute-se muito, em Angola, a questão de uma norma própria, haja vista o facto indubitável da variação linguística, com roupagem no quesito de que “o falante faz a língua“. Vale a pena fazer referência que há já estudos propostos para uma possível norma do português falado cá, à semelhança de Brasil que dispõe de uma norma própria.
É, deveras, do nosso interesse, por ser empiricamente testável, que o português falado em Angola ganhe outro estatuto— uma dimensão normativa, pois apresenta marcas distintas do português falado em Portugal, no Brasil e nos demais países de expressão portuguesa.
Ora, o português, em Angola, assim como nos demais países da África lusófona, coexiste com as línguas nativas, influenciando-se mutuamente. Aliás, parte do que constitui esse português, peculiar no léxico, na sintaxe, na semântica, na fonologia, resulta do contacto, da interferência e da transferência linguística com as línguas nativas.
Há, no entanto, um dado que parece bastante curioso, é a camada mais baixa da sociedade— marginais e iletrados— que torna o português falado em Angola uma variante com bastante “estilo“, no sentido estético, com inumeráveis recursos expressivos. Por cá, as palavras ganham vida, são inventadas e inovadas, sabe a mel na boca dos falantes, sejam considerados cultos ou incultos.
Não se resiste a expressões como, por exemplo, velho, mamoite, papoite, faz me rir, voadora, etc. O falante faz a língua, no entanto não é razão suficiente para se desligar da norma-padrão, um guia para evitar a Torre de Babel, a dependência da espontaneidade, uma das intenções que se escondem.
É preciso concordar que a norma-padrão usada em Angola está a anos-luz da realidade linguística, ou seja, do que se fala realmente. A implementação de uma norma própria encurtaria essa distância.
Considera-se, igualmente, uma intenção escondida a militância académica que se faz, quando se diz que o falante faz a língua. Em nome da Linguística, as inverdades são ditas por aqueles que se querem tornar destaques sem uma grande projecção académica.
Assim, aparecerem os advogados da má ciência, dizendo que a norma-padrão é elitista, preconceituosa, anacrónica, etc. Portanto, não é necessária, sob a máscara do falante faz a língua.
Portanto, a máxima segundo a qual o falante faz a língua deve ser vista sob vários ângulos, a fim de se descobrir as reais intenções por detrás dela, pois pode ser apenas uma mera propaganda académica; uma ideologia anti-normativa.
Por: Manuel dos santos