Ainda na senda da necessidade de se apresentar uma abordagem sobre a (mais novíssima ) manifestação literária em solo benguelense, diferente da edição passada, nesta far-se-á uma incursão crítica acerca da obra recém publicada “ Vozes dya Ngola” do escritor Anjo Nsilo. Uma obra que se coloca entre as principais publicadas em terras das acácias rubras devido à sua qualidade temática, já que demonstra um conjunto de peculiaridade que a torna assaz valorativa.
Além de chamar atenção pela sua qualidade estética numa altura em que muitos escritores (poetas) incipientes , na terra de Raul David, enveredam para uma temática mais universalista, por outra, a autenticidade consubstanciada no elemento multicultural enriquece ainda mais a obra literária, fazendo com que tome uma posição distintória.
No entanto, por ora, relegaremos a atenção a obra para mais adiante, e falemos do autor numa espécie de sitz im lebem fotográfico. Sobre isto, saiba-se que Nsilo não é natural de Benguela, o nosso autor viu os primeiros raios de sol na província de Luanda, no município de Rangel, numa família de classe baixa como se pode ler no livro.
O seu pai é um mukongo enquanto que a mãe uma mbundu o que supõe o surgimento da multiculturalidade no seio de Nsilo desde a tenra idade, visto que está presente a partir da sua paternidade e daí infere-se o primeiro contacto com dois dos grupos etnolinguísticos (distintos) mais expressivos de Angola: bakongo e ambundu. Cresceu na cosmopolita cidade de Luanda e apenas se mudou para Benguela, terra dos ovimbundu, em 2015. Tal mudança levouo a somar na sua panóplia étnica mais um grupo etnolinguístico: ovimbundu.
Num primeiro momento, bakongo e ambundu devidos aos laços partenais e por fim ovimbundu por mudar a sua moradia para Benguela, a terra da sua epifania literária. Anjo Nsilo traz em vozes dya ngola de forma artística uma temática estética dialogante com a história como em Génesis ou Ukulumbimbi , a tradição como em Alembamento ou em Kitutu, além de apresentar elementos culturais próprios desses três grupos, que como já asseverámos acima, engrossam ainda mais o repertório estético da obra, tornando-a mais autêntica, porquanto faz uma apresentação etnotemática.
Vozes dya Ngola constitui um repertório etnotemático auspicioso e uma chamada de atenção estilosa e diatribe aos cultores de poesia desprovidas de engenho, arte, estética e filosofia que aos milhares surgem na praça literária benguelense. Embora com maior incidência daqueles grupos etnolinguísticos que lhe são paternais, há presença de Benguela e culturalidade sulina – mais precisamente grupo ovimbundu – em seus versos. Lê-se no poema “ A Caminhada” o percurso de um eu-lírico na região centro-sul sobretudo na província de Benguela, repare: Do Cubal à Ganda/ Eu caliptos na caminhada.
Noutros versos a invocação do planalto central angolano, uma região que partilha linhagem étnica com os povos ovimbundu de Benguela, veja: de Tchinjenje ao Ukuma/ havia lohengo na via/ Da Kahala ao Wambu/ Wambu Kalunga/- Kalungi. Amíude, ao longo dos versos, acontece uma apresentação daqueles (3) grupos étnicos através de valores, crenças, artes, sobretudo gastronomia que lhes são característicos, para isto, leia-se Bonança em que no penúltimo verso da quarta estrofe, faz-se referência de elementos gastronómicos de tais etnias: mandioca, kisaka, losaka.
Naturalmente, a mandioca muito utlizada para confeccionar o funje entre os povos do norte, principalmente, nas terras de ambundu, enquanto que kisaca representaria os bakongo, já que é um acompanhantra constituir o conjunto complexo e polivalente da cultura nas suas variantes conceptuais, normativas, ambientais, históricas, filosóficas, etc. É simplesmente um tema etnológico.
Entre vários etnemas linguísticos podemos anovelar os seguintes: os discursos ou textos rituais, os motivos e ritos de religião, a nomenclatura da família e do parentesco, os textos dos ritos de passagem, a onomástica, a canção folclórica, os provérbios, a formulação e o conteúdo de leis, a formulação de bênçãos e de maldições e as récitas de interdições, etc. » Dito de outro modo, os etnemas fazem referência a todo qualquer tema dentro da perspectiva etnológica.
Logo, o sujeito poético na maior parte dos poemas em Vozes dya Ngola é, na verdade, uma espécie de griot que se apresenta sábio, capaz de conhecer diferentes nuances culturais, nomeadamente, hábitos, ritos, gastronomia, história, tradição etc. da cultura daqueles povos. Abaixo, prestamos atenção a um conjunto de textos que nos trazem etnemas em diferentes níveis: histórico, materiais, religioso, filosófico, gastronómico e outros.
Pode-se começar com o poema ukulumbimbi, um monumento histórico pertencente à cultura bakongo, símbolo do catolicismo no reino do Nkongo que a um dado momento foi assumido pela realeza conguesa como a religião do reino. Neste poema, o sujeito poético faz uma apresentação deste monumento histórico, numa fase inicial: veio de cima/ pousou a pedra/ ferruginosa/ ukulumbimbi nzo-aNzambi. Nos dois versos com que termina a segunda estrofe: templo tem mistério/ tempo é cemitério.
Fazendo referência à sacralidade deste templo, não muito por ser um templo cristão, mas sim por ser um templo cemitério dos nossos antepassados , reis do Reino do Nkongo. Na quarta estrofe, o sujeito poético faz uma reflexão sobre o estado deste cemitério: arrastada pelo tempo/ perdeu o apetrecho/ pousada no lugar errado/ caíu em ruína. Este estado, acreditamos que será ultrapassado, visto que a cidade de Mbanza Nkongo é agora património histórico-mundial da UNESCO.
POR: FERNANDO TCHACUPOMBA