É tão difícil ser pobre, sobretudo numa sociedade em que, infelizmente, o ter é mais importante do que o ser, a aparência mais importante do que o carácter, o ser viju é mais importante do que ser honrado e as posses (muitas vezes de origem duvidosa), mais importantes do que o mérito.
Ser pobre é não ter nenhum chavo e, na maioria das vezes, não saber o que irá comer ou dar de comer aos filhos; é chegar ao final do dia e lembrar-se de que não se alimentou durante o dia todo e ainda encontrar a família faminta ao chegar em casa; pior mesmo é ver os canucos a choramingar, “papá, temos fome”, e não ter o que oferecer.
Ser pobre é rebuscar nos bolsos a última moeda e implorar para a tia do “arreou” arriar só lá mais um pouco na kacaneca de fuba e no kamontinho de tomate para fazer um kafunge para as crianças não dormirem com fome. Ver os seus filhos a definharem, a adoecerem e a morrerem diariamente sem nada poder fazer.
É ver a morte de uma criança nos braços do pai, no chão gelado do corredor de um hospital lotado… de miséria. Ser pobre é suplica ao céu e às estrelas para não regarem a terra, para não ter de passar a noite toda a retirar a água da chuva de dentro do cubico.
É ficar aborrecido com os papoites, que não resolvem o mínimo: pão, água, luz, saneamento, educação e saúde, e fica frustrado com os preços que disparam todos os dias.
O salário… bué cochito… nem já um kacentavo aumenta, pelo contrário, é devorado por IRT, IVA, IPU, IC, IVM e tantos outros “Is”, que, só de falar, causam dor no coração e tromboses antecipadas.
O pobre é discriminado, algumas vezes até pela própria família, que lhe retira a voz nas reuniões familiares, manda-o calar a boca quando tenta pedir a palavra nos alambamentos, com dicas como: “aqui não é para falar à toa”, e na hora do pitéu lhe ferram no prato, unicamente por não ter contribuído.
O pobre ouve desabafos como: “esse também só vem comer”, coisas que agridem profundamente o coração. Nos eventos, apenas os tios que têm kumbu e patrocinam têm direito a palavra, mesmo sendo mais novos ou parentes de terceiro grau. Os ancorados ficam nas últimas cadeiras e são proibidos de falar, a missão é unicamente concordar e aplaudir.
Se o carro do pobre for velho ou o famoso “acaba de me matar”, será sempre parado pela polícia, em todas as operações stop.
A sua pobreza, por si só, constitui motivo de suspeita. Ser pobre é ser muitas vezes confundido com um ladrão ou malfeitor. Se um pobre entra num banco para levantar os míseros tostões, tem de obrigatoriamente esperar numa fila enorme, enquanto o abastado é imediatamente chamado para ter um atendimento personalizado.
Logo à entrada, o segurança suspeita do pobre e muitas vezes o persegue, quando necessário, revista-o cuidadosamente, até nas partes íntimas, simplesmente por ser pobre.
Até mesmo em algumas igrejas, onde o amor ao próximo deveria ser a tónica, os que dão os maiores dízimos têm tratamento diferenciado.
Ao pobre é exigido sempre mais do que o suficiente. Se for zungueiro, é perseguido por fiscais, ladrões e malfeitores a todo o tempo; Se for motoboy, é perseguido pela polícia e por assaltantes de motorizadas, são-lhes exigidos documentos, livrete, registo de propriedade, taxa de circulação, seguro, capacete, colete, tudo e mais alguma coisa; se for taxista, até operações stop serão montadas unicamente para o abordar implacavelmente, enquanto o ngunvulo, com o seu jeepão, nunca é abordado. Ao pobre calha sempre o caminho mais difícil.
Ao procurar um emprego, tem de apresentar cópia de mil e um documentos, desde os pessoais aos profissionais — a lista é enorme: fotografias, certificado sanitário, atestado de residência, registo criminal e tantos outros papéis —, sem qualquer garantia de que ficará com a vaga, enquanto os outros… basta um bilhete do “tio boss” a recomendar.
Até andar na rua é arriscado, de certeza será abordado, revistado e questionado sobre onde vai e para quê, isto quando não é levado para a esquadra por ser confundido com um ladrão ou um potencial criminoso.
O pobre depara-se com dificuldades em tudo o que deveria ser fácil para si: se pretende tratar o Bilhete de Identidade, tem de madrugar e dispensar pelo menos dois dias úteis para tal empreitada, a sacrificada tarefa de enfrentar filas intermináveis de pisa-pisa, empurrões ou roçamentos.
O pobre trabalhador, todos os dias, tem de lutar como um leão: na paragem do candongueiro, logo de manhã, para ir ao serviço; nas filas apinhadas e desorganizadas, onde claramente impera a lei do mais forte; o autocarro público demanda arregaçar mangas e ir a combate corpo a corpo, antes e depois de entrar no veículo, (quase) sempre abarrotado e onde imperam fricções de todo o tipo, “quibionas” e assédios, enfim, uma autêntica esfrega, em que a dificuldade é diametralmente maior em época chuvosa.
O pobre estuda em escola pública, e isso acarreta outros desafios e riscos, como por exemplo, o fraco aproveitamento escolar por conta do absentismo de alguns professores ou de greves da classe docente, que são cada vez mais comuns, isto para não falar no desafio de estudar no período nocturno, pois as escolas podem ficar sem energia por vários dias.
O pobre sofre… E muitas vezes ainda é chamado de preguiçoso por determinados coaches ou motivadores, que, paradoxalmente, também se encontram na miséria.
A pobreza e a delinquência não deveriam ser confundidas, elas não andam de mãos dadas. Associar a criminalidade à pobreza é afirmar que não existem ricos delinquentes, o que não é verdade.
O crime não é exclusivo dos pobres, pelo contrário, o crime pode ocorrer em toda e qualquer classe social. É na casa do pobre, na maior parte das vezes, que a energia não chega e, se chega, chega fraca e vai-se embora sem avisar; é na casa do pobre onde a água não é canalizada e é preciso acarretar por longas distâncias… longas filas se formam, longas caravanas humanas em busca do precioso líquido.
É na casa do pobre onde, normalmente, a polícia não chega quando é chamada, ou por falta de veículo, ou porque os acessos não favorecem. É lá onde a polícia não chega porque o pobre não tem telemóvel para pedir socorro.
Os crimes cometidos contra os pobres são difíceis de resolver porque estes não têm dinheiro para constituir um bom advogado.
É o pobre que nada tem, mas sobre ele ainda recaem os impostos, taxas, multas, juros e tudo que visa lhe tirar um pouco mais desse nada. Ao pobre todas as desgraças ocorrem em simultâneo, desgraças que tornam a vida do pobre tão mais pobre, que até a própria pobreza se sente indignada. Como é duro ser pobre!
Por: Osvaldo Fuakatinua *