Um dos maiores desastres climáticos da história do Brasil está ocorrendo neste momento. Se observarmos o mapa, na região Sul do país, podemos identificar alguns grandes lagos, localizados próximos ao litoral e à fronteira com o Uruguai.
Esses locais abrigam algumas das maiores reservas de água doce do mundo, cuja utilização para sustentar a vida e impulsionar o progresso humano remonta a períodos muito anteriores à descoberta da América pelos europeus.
Registros de ocupação humana naquela região remontam aos últimos quatro mil anos, e até oito mil anos em outras áreas do Brasil.
Na região superior, onde esses lagos têm início, está localizada a capital do Estado do Rio Grande do Sul, chamada Porto Alegre, que é a cidade onde eu moro.
O desenvolvimento da cidade teve início em 1772 e desde então tem crescido. Hoje, Porto Alegre abriga cerca de 1,5 milhão de habitantes, enquanto a região metropolitana ao seu redor conta com aproximadamente 4,5 milhões de pessoas. No estado como um todo, a população totaliza 10,8 milhões de habitantes.
A cidade se desenvolveu às margens daquelas imensas reservas de água, na região conhecida como Lago Guaíba.
Devido ao aquecimento global e ao fenómeno natural El Niño, testemunhamos uma quantidade de chuvas sem precedentes.
Quando ocorrem os El Niños, o clima em todo o planeta é alterado. Enquanto na África eles trazem secas, aqui na minha região estão associados a períodos de intensas chuvas. No entanto, a situação mudou, possivelmente pelo aquecimento global. Agora, as chuvas alcançaram níveis sem precedentes.
O Lago Guaíba, que normalmente varia em altura ao longo do ano, é motivo de preocupação quando ultrapassa os 2,5 metros de altura. Se atinge os 3,0 metros, a cidade começa a enfrentar inundações.
O cenário que ocorreu é devastador. No dia 2 de maio de 2024, o Lago Guaíba atingiu os 3,0 metros, mas as chuvas implacáveis continuaram.
Elas foram as mais intensas já registradas na região desde que há medições. As chuvas elevaram o nível do lago para 4,0 metros no dia 3; e para 5,0 metros no dia 4. No dia 5 de maio, o lago atingiu sua altura máxima já registrada, alcançando 5,35 metros.
Os impactos foram imensos: dos 497 municípios no Estado do Rio Grande do Sul, 467 foram afetados pela inundação. Diversas cidades ficaram completamente submersas, com água acima dos telhados das casas por vários dias.
Estima-se que, neste momento, 581 mil pessoas estejam desalojadas, incapazes de retornar para suas casas e na casa de outras pessoas, enquanto outras 76 mil estão desabrigadas, temporariamente em locais de emergência organizados pelo governo.
Estima-se que 2,3 milhões de pessoas foram afectadas pela tragédia. As perdas humanas também ocorreram. Até o momento, os números oficiais, divulgados pelo Jornal Metrópolis de 21 de maio, indicavam 161 mortos, 85 desaparecidos e 806 feridos, mas esses números ainda não são finais e continuam a crescer.
A magnitude dessa tragédia demandará esforços de recuperação e apoio às comunidades afectadas, em um processo de muitos anos.
O Brasil e Angola estão ambos no sul global e enfrentam desafios significativos de desenvolvimento e desigualdade.
As catástrofes climáticas, no entanto, não fazem distinção entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, e é preciso reconhecer que todos os países estão vulneráveis a esses eventos.
Existem várias abordagens para lidar com essa questão. Uma delas é a conservação da natureza, protegendo ecossistemas vitais e biodiversidade. Outra é a recuperação de áreas degradadas, restaurando a natureza ao seu estado anterior.
Além disso, é essencial considerar a necessidade de desenvolvimento económico, mas de maneira sustentável, garantindo que os recursos naturais sejam utilizados de forma responsável hoje e que as gerações futuras não sejam prejudicadas, que a natureza seja fonte de riqueza e desenvolvimento, mas possa se recuperar.
Convido as pessoas a reflectirem sobre como podem contribuir para a preservação e o cuidado do nosso ambiente global.
Dou a notícia das dificuldades aqui, e convido as pessoas do outro lado do Oceano Atlântico a pensarem em como cuidar do nosso ambiente.
Porto Alegre, 22 de maio de 2024
*Professor de Direito Constitucional Universidade Federal do Rio Grande