A verdadeira reparação histórica pela escravatura e pelo colonialismo não cabe em um Pix. Nem em um milhão de pixs. Ela só começará quando se abrir um novo paradigma nas relações interculturais O presidente de Portugal diz que é preciso pagar e tem razão. A ministra Arielle Franco diz que é preciso criar medidas específicas para que isso aconteça e que elas ainda não estão criadas e tem razão.
A imortal Lilian Schwarcz diz que o Brasil não pode exigir a Portugal sem olhar para o que ele próprio fez depois de independente e tem razão. Mas mesmo cobertos de razão, nenhum deles dá a resposta correta.
Porque a reparação não ficou no passado nem se resolve apenas com dinheiro, ela está no futuro e se resolve com diálogo. Na complexidade das relações globais, o tema da reparação histórica surge com uma carga emocional e moral intensa.
É verdade que o passado colonial deixou feridas profundas nos tecidos sociais de muitas nações, mas também é verdade que a reparação material, por si só, parece uma tentativa insuficiente e talvez impraticável de curar essas cicatrizes.
A dimensão dos crimes cometidos é tal que nenhum montante financeiro poderia efetivamente compensar as perdas culturais, humanas e sociais sofridas. Neste contexto, a ideia de sempre defendo de “contracolonização”, um termo que evoca a migração reversa de brasileiros e africanos para a Europa, traz consigo uma proposta revolucionária.
Portugal, com seu legado único de interações multiculturais, posicionase como um laboratório ideal para este experimento social. Aqui, o futuro pode ser (em alguns casos já está eendo) desenhado não com a tinta das compensações financeiras, mas com as cores vibrantes de uma sociedade verdadeiramente multicultural. Este movimento não se trata apenas de acolher imigrantes em terras europeias; trata-se de redefinir o próprio conceito de reparação.
A verdadeira reparação emerge quando criamos oportunidades para que todos, independentemente da sua origem geográfica, possam prosperar.
É uma mudança paradigmática que reconhece que a compensação não pode ser apenas monetária. Ela deve ser, acima de tudo, social e cultural. Além disso, é essencial reconhecer que a dinâmica do colonialismo não foi unilateral.
Tanto no Brasil quanto em muitos países africanos, existiram colaborações e participações nos sistemas que hoje condenamos. Esta análise crítica de nossa própria história é crucial.
Não podemos nos contentar em apontar dedos exclusivamente para Portugal ou qualquer outra nação colonizadora sem antes refletir sobre como nossas sociedades também se moldaram e se beneficiaram dessas estruturas.
Ao olharmos para a frente, o desafio está em transformar as circunstâncias atuais para construir um futuro onde as relações interculturais sejam pautadas pelo respeito mútuo e pela igualdade de oportunidades.
Este é o caminho para formar “melhores homens”, como diria Ortega y Gasset, referindo-se ao potencial humano de superação e adaptação às circunstâncias. Portugal, com sua histórica capacidade de integração e sua posição estratégica entre continentes, tem uma oportunidade única de liderar este movimento.
Mais do que qualquer pagamento, a contribuição de Portugal para o mundo poderia ser este novo modelo de convivência global, uma verdadeira reparação para as gerações futuras que olharão para trás não para calcular o valor das compensações, mas para admirar a coragem de reimaginar e reconstruir as relações humanas. Este é o legado que podemos e devemos aspirar a deixar.
Por: JOSÉ MANUEL DIOGO