O poema de Hendrick Vaal Neto, cujo título pedi empréstimo para dar nome a presente crónica começa com a seguinte introdução: «pessoas há, que sendo cruéis, são ilibadas pela gente por terem uma qualidade específica: bom político, bom futebolista, bom cantor».
Ao longo do poema, Vaal Neto faz um brilhante percurso metafórico repleto de implicações profundas. Políticos, cantores e futebolistas possuem algo em comum: poder.
Através da excelência no exercício das suas funções, estas personalidades exercem sobre o seu público um considerável poder de influência, determinando as acções e opiniões das massas, as quais muitas vezes como que sob efeito de hipnose.
Ai de ti se maldisseres os seus ídolos. Falando em ídolos, convenhamos que nos últimos tempos o dinheiro tem vindo a se tornar, de longe, no maior de todos.
Antes que o leitor conclua que não acho o dinheiro importante e pense que será mais um daqueles textos clichês sobre como o mesmo não traz felicidade, quero que fique descansado pois não é o caso.
É normal e louvável que queiramos ter bastante dinheiro e que sejamos financeiramente bem sucedidos, porém, não se trata tanto de ter dinheiro, mas de como este é obtido.
Não é tanto sobre ter dinheiro, importame mais a forma como o endinheirado pensa, comporta-se e trata aqueles que não têm. Por fim, não é tanto sobre ter dinheiro, mas os fins para os quais esse dinheiro é investido ou canalizado.
Vivemos em uma era crítica onde o rico, independentemente da fonte da sua riqueza, é adorado. Ou melhor, não ele, antes a sua riqueza visto que os fiéis adoradores se apostatam tão logo a mesma desaparece.
Fazme pensar que, se calhar, temos perseguido um frágil e efêmero conceito de riqueza. Pareceme mais sábio que procuremos ser, nós mesmos, riqueza. Não o que temos, mas o que somos.
No mundo actual, existe uma carrada de pobres que possuem riquezas. Não basta ter riquezas. Não basta gostar de flores. Os EUA são adorados, temidos e invejados por todo o mundo.
Contudo, não é tanto sobre ser a maior superpotência do planeta, mas sobre como se chegou a essa posição. O solo sobre o qual se construiu a América tinha donos. Até aí tudo bem, pois no mundo capitalista compramse e vendem-se propriedades a um ritmo vertiginoso.
Porém, sabe-se que aquele território não foi conquistado por meio de uma transação financeira consentida, mas através do genocídio dos donos da terra.
Há um rasto de sangue demasiado vasto e flagrante deixado pelos EUA ao longo da estrada da história, mas ignorámo-lo. Que importa a forma como o poder é obtido? Desde que o obtenhamos. Não basta ter poder. Não basta gostar de flores. O mesmo fenómeno pode ser constatado no mundo da música.
Ela tem um poder extraordinário e, se e quando bem usado, torna-se um grande instrumento de transmissão de ideias, valores, sentimentos, moldando e transformando os seus ouvintes. Infelizmente, o conteúdo de maior parte da música que é produzida actualmente deixa muito a desejar.
Existem muitos cantores mainstream repletos de talento, com vozes incríveis e arrebatadoras, rappers com uma capacidade de criação de flows e rimas acima da média, porém, a mensagem que é transmitida através da sua arte é uma mensagem de promiscuidade, indecência e imoralidade.
O rap passou de um estilo utilizado como instrumento de expressão e denúncia sobre as injustiças que a comunidade afro-americana sofria e enfrentava, para um estilo de promoção de violência, ódio, ostentação, ofensas indizíveis contra as mulheres, muitas vezes delas para consigo mesmas.
Poucos anos atrás, havia no panorama nacional uma rivalidade um quanto subtil entre os kuduristas Bruno M e Nagrelha. O Bruno M transmitia através da sua arte uma mensagem enaltecedora de bons valores, o Nagrelha nem tanto, mas era este último que possuía maior influência sobre as massas.
No universo do Hip-Hop nacional, emergiu de forma súbita o tão conhecido grupo Força Suprema, os quais por muito tempo desempenharam grande inflência sobre a juventude.
No entanto, apesar do talento, embora articulados e incríveis liricistas, as mensagens transmitidas nas suas músicas acabaram, directa ou indirectamente, por influenciar muitos dos seus fãs a reproduzir o estilo de vida que pintavam com as suas rimas: dinheiro, mulheres, álcool, violência e drogas.
Não basta ter uma voz angelical, um talento excepcional e habilidades musicais prodigiosas. É fundamental que os usemos para elevar aqueles que nos ouvem, tanto física, emocional, quanto espiritualmente. Músicas com mensagens corrosivas geralmente não sobrevivem ao implacável teste do tempo.
São efêmeras e descartáveis. É importante que os fazedores de arte hodiernos se questionem qual a fórmula utilizada por artistas como Bob Marley, Fela Kuti, Mirian Makeba e outros, muitos outros, que faz das suas músicas atemporais e capazes de impactar gerações e gerações, várias décadas após as suas mortes.
Os artistas têm perdido a um ritmo gritante a capacidade de se imortalizar. Não basta ser músico. Não basta gostar de flores.
Por: EDUARDO PAPELO