Como toda e boa amizade, sem que nos apercebêssemos, o tema da nossa conversa alterava-se antes sequer de termos a possibilidade de expor as nossas ideias a respeito de cada um deles em plenitude. “Ao lado do teu melhor amigo, nenhum caminho será longo”, diz um provérbio Japonês. A primeira interpretação que tive após muito refletir a seu respeito foi a de como quando percorremos sozinhos um longo caminho, algumas vezes não necessariamente tão longos, somos facilmente acometidos pela sensação de que nunca mais se chega ao destino, e quando chegamos, damos por nós física e mentalmente cansados.
Porém, a sensação é completamente diferente quando caminhamos na companhia de um bom amigo. O mesmo caminho ou percurso antes longínquo e fastidioso, de repente parece ter encurtado a distância. Na verdade, seria até melhor se a distância fosse maior, inclusive faríamos com que o sol se pusesse mais tarde se pudéssemos, deste modo não seríamos força- dos a nos desgarrar da presença do bom amigo de forma tão prematura. De repente, o que é um problema quando estamos sozinhos, torna-se irrelevante quando bem acompanhados. Olhando para o provérbio através de outro prisma, entendo que o mesmo fenómeno sucede quando fazemos uma caminhada conversacional.
Existem pessoas com as quais é quase impossível encetar uma conversa frutífera, agradável e prolongada, especialmente se tratar-se de alguém que fale demasiado, é quase insuportável. Ao passo que podemos conversar com certas pessoas durante horas a fio e ainda saberá a pouco. Quando temos esta sorte, é um verdadeiro refrigério para a alma. Aliás, na era dos podcasts em que nos encontramos, este fenómeno pode ser facilmente identificado.
Existem podcasts com duração de duas horas e muitos poucos com mais de nove. Eventualmente acabamos por discutir a respeito das misteriosas pirâmides egípcias de Gizé, belas e imponentes, recusando o seu ocaso quando expostas ao escrutínio do tempo.
Porém, embora se trate de monumentos verdadeiramente majestosos, cuja existência representa uma evidência inegável das mentes prodigiosas e celestiais envolvidas na sua concepção, o meu bom amigo acredita que, dentre as várias, a descoberta de Albert Einstein acerca da existência dos buracos negros no universo através da teoria da relatividade geral, feito alcançado meramente através de cálculos matemáticos uma vez que não se possuía na altura tecnologia suficientemente avançada que permitisse mais facilmente desvendar este mistério, confere ao cientista um grau muito mais elevado de genialidade se comparado com as mentes envolvidas na construção das referidas pirâmides.
Não querendo aqui entrar no mérito da questão, parece-me, contudo, uma perspectiva digna de consideração. Como todo gênio, Einstein teve uma vida deveras incomum e nasceu em uma época repleta de acontecimentos funestos. Testemunhou o eclodir das duas grandes guerras do século XX, e devido ao sangue judeu que lhe corria nas veias, foi igualmente perseguido pelo colérico e implacável regime nazista encabeçado por Adolf Hitler.
Einstein, que nasceu na Alemanha, viu-se forçado a abandonar o seu país, chegando, inclusive, a renunciar a sua nacionalidade ao dar-se conta de que a sua terra se tornara irreconhecível e havia sucumbido total e completamente às garras do regime satânico do nazismo. Diferente de muitos intelectais, cientistas, professores e meros cidadãos alemães de ascendência judaica que não conseguiram escapar às grilhetas do terror nazista, Albert Einstein teve a sorte de receber asilo nos EUA, aceitando o convite que lhe foi feito para se tornar Professor na Universidade de Princeton, no Estado de Nova Jersey. Questino-me o que seria da humanidade se o brilhante cientista não ti- vesse escapado às garras do regi- me hediondo de Hitler.
Segundo se diz, sem os seus estudos, ideias e teorias, grande parte da tecnologia que hoje usamos e da qual somos dependentes simplesmente não existiria. Sem a sua célebre teoria da relatividade, não se poderia, dentre uma pletora de outras coisas, construir uma bomba atômica. Enquanto homens, somos muitas vezes possuídos por motivações estólidas que nos levam a segregar, subjulgar e matar uns aos outros.
É um risco demasiado grande que se corre quando tal acontece, isto porque as consequências que daí advêm têm proporções universais. A guerra não é um recurso inteligente, a menos que em último recurso em defesa da própria integridade pessoal ou territorial. Menos sensatos que a guerra são os crimes de ódio motivados por racismo, antissemitismo ou xenofobia. É simples- mente um atestado claro de falta de intelecto.
Quantos “Einsteins” não teremos perdido ao longo da origem da humanidade, mortas em circunstâncias de guerra, aborto, genocídio, fome, inquisição, rituais de sacrifício humano, escravidão, perseguição política ou doenças laboratoriais? As duas grandes guerras do século XX tiveram um saldo de mortos de mais de cem milhões. Mais de seis milhões de judeus foram mortos pelo regime nazista, estimadamente quinze milhões de africanos foram vítimas do comércio transatlântico de escravos e estima-se que o mesmo número de vidas tenham sido ceifadas pela Covid-19.
Quantos Einsteins não teremos perdido ao longo da história vítimas da nossa incapacidade de dominarmos a besta que existe em cada um de nós? O cientista referiu de forma brilhante e jocosa em uma das suas mais célebres frases: “duas coisas são infinitas, o universo e a estupidez humana. Mas em relação ao universo, ainda não tenho certeza absoluta”. A guerra é uma estupidez. Deviam ser erigidos um pouco por todo mundo monumentos aos Einsteins desconhecidos.
POR: EDUARDO PAPELO