O entendimento do que é a leitura está directamente relacionado às noções de língua e linguagem. Aqui, nesta abordagem, apresentamos concepções sobre língua e leitura, bem como modelos propostos por Van Dijk e Kintsch (1983). 1.1.
Concepções de termos e conceitos Em sentido amplo, Koch (2006) aponta três concepções de língua que tem norteado os estudos do século XX, designadamente: 1. língua pode ser vista como representação do pensamento.
Nessa concepção, o sujeito aparece isolado do contexto. A função da língua é manifestar o pensamento e expressar-se bem está directamente relacionado ao bom uso da gramática, do ponto de vista da normatividade.
2. Outra concepção de língua é aquela que a vê como código, ou como instrumento de comunicação. A actividade de compreensão é vista como simples codificação da mensagem.
O leitor recebe passivamente a mensagem, sem participar activamente da construção do sentido do texto. 3. Por fim, uma última concepção apresenta a língua como lugar da interacção, o que pressupõe uma visão dos sujeitos, que passam a ser vistos como seres situados socialmente, ou seja, contextualizados.
Segundo autor ora citado, essa última visão sobre a língua é a que tem subsidiado os estudos mais actuais, os quais assumem a leitura como um processo de construção de sentidos realizado por sujeitos activos e inseridos em um determinado contexto social.
1.2 Concepções de Leitura O trabalho com a leitura, bem como com a compreensão leitora, exige do professor de Língua Portuguesa, enquanto materna, conhecimentos de modelos de leitura. Diante disso, torna-se necessário que o professor adopte uma abordagem de leitura para proporcionar ao aluno um melhor aprendizado.
Para melhor compreensão, o modelo de leitura adoptado nesta pesquisa é o de Van Dijk e Kintsch (1983), o qual se configura como um modelo não linear e estratégico, no qual se inter-relacionam conhecimentos de níveis diversos, como o fonológico, morfológico, sintáctico, semântico e pragmático.
1.2.1. Modelo de Leitura de Kintsch e Van Dijk (1983) O modelo de leitura apresentado por Van Dijk e Kintsch (1983) configura-se como um modelo estratégico, no qual convergem informações dos níveis fonológicos, morfológicos, sintáticos, semânticos e pragmáticos, os quais não devem ser tomados separadamente.
Eles propõem que há uma interacção entre os diversos níveis, de maneira intricada e não linear. Por outro lado, diferencia-se do modelo apresentado por Goodman (1985), o qual apresenta características de processamento chamadas topdown, ou seja, o leitor complementa, através das adivinhações e previsões, a informação inferencial que foi omitida pelo texto, da mesma maneira quando sua visão “pula” para outro ponto de ancoragem, seguindo aquele pressuposto de Smith (1989) que “ver é algo episódico”.
Como podemos observar, no modelo interativo de Van Dijk e Kintsch (1983), também tratado por Rumelhart (1985); Cavalcanti (1989) e Marcuschi (2008): o processamento interativo admite que o leitor possa se relacionar de diversas formas com o texto, tais como: relacionar o texto aos seus esquemas de vida, ser dependente, ajustando-se ao esquema do autor ou combinar atitudes activas e passivas no processamento em diferentes partes de um texto ou textos diversificados. (GODINHO, 2004, p. 30).
O modelo a que nos referimos aqui, proposto por Van Dijk e Kintsch (1983), tem origem a partir de alguns pressupostos de natureza cognitiva e processual. Entendêlos, portanto, é fundamental para entender o modelo. De acordo com Machado (2005), os pressupostos são os seguintes: 1º.
Pressupostos cognitivos: as pessoas constroem representações na memória com base em informações visuais e linguísticas. 2º. Pressupostos interpretativos: os dados visuais e verbais não são só representados, e sim interpretados de modo a se construir seu significado (aspecto semântico). 3º.
Pressuposição on-line: a compreensão ocorre simultaneamente ao processamento de informações, de forma gradual e não subsequente. 4º.
Pressuposição de conjectura pressupocional: além do conhecimento prévio e de estruturas semelhantes, o leitor, ouvinte, utiliza outras informações cognitivas, tais como crenças, opiniões ou atitudes em relação aos acontecimentos em geral ou ainda motivações, objectivos ou tarefas específicas no processamento dos acontecimentos e textos. 5º.
Pressupostos estratégicos: referem-se à habilidade que as pessoas têm de usar informações de diversos tipos, de maneira flexível, de forma que as informações podem ser processadas em diversas e possíveis ordens, com o objetivo de se construir a interpretação dos acontecimentos e textos. 6º.
Pressupostos contextuais da funcionalidade (social): as dimensões sociais do discurso interagem com as dimensões cognitivas.
Dito de outro modo, o modelo cognitivo deverá dar conta do facto de que o discurso, e consequentemente o processo de compreensão do discurso, são processos funcionais dentro do contexto social.
7º. Pressupostos pragmáticos: referem-se ao fato de que no discurso estamos lidando não só com objetos linguísticos, mas também com ações sociais pretendidas e levadas a cabo pelo ato de enunciação.
8º. Pressupostos interacionistas: a interpretação de um discurso, enquanto ato de fala (ou uma série de atos de fala), está inserida em uma interpretação de todo o processo de interação entre os participantes da conversa (interlocução).
9º. Pressupostos situacionais: são aqueles em que uma relação que se estabelece entre a função pragmática do discurso e a situação social cognitivamente representada no modelo interpretativo.
De acordo com Koch (2005), modelos são unidades organizacionais complexas, conjuntos de conhecimentos socioculturalmente determinados e vivencialmente adquiridos, os quais contêm tanto conhecimentos declarativos sobre cenas, situações e eventos, como conhecimentos procedurais sobre como agir, em situações particulares e realizar atividades específicas.
Quando se lê ou ouve um texto, constrói-se, na memória episódica, uma representação textual, definida em termos de conceitos e proposições: Constrói-se também, paralelamente, um modelo episódico ou de situação sobre o que o texto versa.
Ativa-se portanto, na memória, modelos similares, os quais são os nossos registos cognitivos de situações semelhantes.
A compreensão acontece quando o modelo criado é satisfatório e coerente com o modelo de situação, havendo um entendimento do texto. (KOCH, 2005).
Conclusivamente, o modelo de leitura proposto por Van Dijk e Kintsch (1983) apresenta a leitura não como um processo passivo, mas como um processo interativo, no qual o leitor interpreta, activamente, as acções de um autor.
A essa concepção nos afiliamos por considerarmos a leitura como uma actividade complexa composta por três faces: leitor, texto e autor, dos quais decorre a compreensão. Referências Bibliográficas GODINHO, E. S. (2004).
A compreensão leitora nos livros didáticos destinados ao Ensino Médio. Dissertação (Mestrado do Programa de Pós-graduação em Linguística) .
(2004). Universidade Federal do Ceará, Fortaleza. KOCH, I. G. V. (2005). Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez. MACHADO, M. A. R. (2005). O papel do processo inferencial na compreensão de textos escritos. Campinas. SMITH, F.
(1989). Compreendendo a leitura: uma análise psicolingüística da leitura e do aprender a ler. Porto Alegre: Artes Médicas. VAN DIJK, T. A.; KINTSCH, W. (1983). Strategies of comprehension discourse. London: Academic Press.
Por: Feliciano António de Castro