A visita de Sua Exª Presidente João Lourenço a Casa Branca na passada quinta-feira foi uma efeméride que, como era de se esperar, causou bastante euforia, não faltando quem não proferisse opiniões proféticas à respeito do impacto que esta nova era de relações diplomáticas terá para Angola e os EUA.
Tenho esperança de que este encontro seja símbolo de novos e melhores tempos para os Angolanos, uma relação da qual saberemos tirar as melhores vantagens e proveitos em benefício do colectivo, rumo a uma economia mais pulsante e verdadeiramente diversificada.
Confesso, contudo, ter sido acometido por um ligeiro sentimento de consternação resultante de um vídeo que muito circulou pelas redes sociais onde se vê o nosso Presidente a abandonar a Casa Branca, dirigindo-se para um grupo de Jornalistas que esperava espectante pelo seu pronunciamento após o tão aguardado encontro.
As palavras do Sr. Presidente para a nação e para o mundo foram: «correu melhor do que esperávamos». São palavras que geralmente desejamos ouvir de uma equipa médica que, após horas a realizar determinada cirurgia, dirige-se a família que aguarda na recepção, aflita e ansiosa, rezando por boas notícias.
É uma analogia que pode perfeitamente ser aplicada no contexto em questão. O Presidente João Lourenço representa a equipa médica, os jornalistas e a sociedade civil angolana representam a família aflita e o paciente submetido a cirurgia é Angola.
Ora, não obstante a equipa médica ter transmitido uma mensagem positiva à família, quão preferível não seria se o nosso familiar sequer tivesse a necessitade de ser operado! Quanto mais não desejaríamos que a nossa pátria amada não se encontrasse tão débil ao ponto de forçar-nos a levámo-la ao hospital! Chegamos a esse extremo devido a uma má gestão das valências e das riquezas do país.
Essa confluência de factores sujeitaram um país que tem tudo para estar entre as maiores economias de África quase que a uma condição de mendicidade.
Existem dois cenários dentro dos quais preferia que decorresse o encontro em questão: primeiro, que fossem os EUA a manifestar vontade e interesse em dialogar com Angola e com ela erigir relações políticas e comerciais mais estreitas, fruto de um reconhecimento do seu potencial e do valor estratégico desta relação para os interesses norte-americanos. No segundo cenário, que a euforia e o entusiasmo fossem mútuos, e não puramente unívocos.
No entanto, entendo que talvez esteja a balbuciar utopias. Se por um lado reconheço o impacto positivo que este encontro trará para o Estado Angolano e os mais variados sectores da sua economia, devo confessar que possuo, por outro lado, alguns quantos receios.
Não podemos descurar o facto de que a administração Biden é de natureza Democrata, e este partido é bastante conhecido por acreditar e defender uma série de ideias e pautas pouco familiares e, inclusive, antagônicas a princípios e valores característicos a idiossincrasia dos Angolanos, o que representa, a meu ver, o advento de uma importação de ideias nocivas ao bem-estar da nossa sociedade.
A sociedade americana é profundamente progressista e liberal, ao passo que Angola, apesar dos apesares, é conservadora por natureza. Porém, este elemento conservador está sob ameaça, especialmente no seio da camada juvenil em consequência do contacto com outras realidades, povos e culturas mais sedutoras e apelativas que as suas próprias.
O meu receio deriva do facto da camada jovem ser, por um lado, desconhecedora de grande parte dos seus próprios traços, valores culturais e por manifestar um desinteresse por essas questões e, por outro, são estes mesmos jovens os maiores adeptos e consumidores dos produtos da cultura americana.
Mia Couto anteviu estes perigos ao falar sobre os 7 sapatos sujos que nós Africanos devemos deixar na soleira da porta dos tempos novos.
Sete é um número mágico, refere o autor, e é exatamente no sétimo sapato que ele reflete sobre este tema. Trata-se da ideia de que para sermos modernos, temos que imitar os outros.
Há muito que viemos imitando os americanos. Tudo o que lá acontece e se faz, não tarda a ecoar no resto do mundo, e é aí que reside o grande perigo.
A questão é que os Estados Unidos são tão desenvolvidos que nos seus canais de comunicação debatem-se temas como o seguinte: o que é uma mulher?
O grande perigo reside no facto de que a América evoluiu tanto ao ponto de descobrir que já não é mulher quem nasce biologicamente nessa condição, mas todos quantos se identificam como tal. Estudantes universitários na América são tão cultos ao ponto de afirmarem sem receios que homens também menstruam. Vão se inserindo pessoas transsexuais um pouco por todas as modalidades desportivas.
Isto é, alguém que nasceu biologicamente homem pode competir contra uma mulher em uma categoria especificamente criada para mulheres.
Na terra da estátua da liberdade, é-se tão livre que crianças já são submetidas a cirurgias de alteração de gênero.
Diante destes factos, faço a mesma questão levantada pelo escritor moçambicano: será que queremos mesmo ser diferentes? Será que queremos mesmo ser como os outros?
Se não preenchermos e municiarmos as nossas mentes e as mentes dos nossos jovens com ideias, valores e princípios suficientemente sólidos para não se deixar corromper e seduzir por valores estrangeiros, certamente perderemos o rumo.
Por: EDUARDO PAPELO